A história de Marieke Vervoort é contada por Pola Rapaport, documentarista franco-americana . A atleta paralímpica morreu aos 40 anos, a 22 de outubro de 2019, por volta as 20h15. Morreu como quis: rodeada dos amigos e da família, depois de terem feito uma festa à sua vida.
“Viciada na Vida” é o retrato cinematográfico do que foi o trajeto de Vervoort, que bateu o recorde mundial com uma condição degenerativa incurável, que lhe causava uma dores insuportáveis, levando-a a escolher a morte assistida. Foi na Bélgica que concretizou o seu desejo, acompanhada por toda uma equipa de produção para que a sua história pudesse ser contada. Vervoort tinha 15 anos quando foi diagnosticada com uma rara condição muscular progressiva que resultou em paraplegia.
Rapaport mostrou-se interessada em Vervoort depois de ler um artigo sobre a atleta que estava a participar nos Jogos do Rio, em 2016. Nessa altura, ganhou uma medalha de prata e uma de bronze nas corridas de 400m e 100m em cadeira de rodas, somando-se ao ouro e à prata que tinha conquistado nas Olimpíadas de Londres, quatro anos antes.

A vontade de morrer de Marieke Vervoort já era conhecida, depois de ter sido notícia por ter apresentado os papeis de eutanásia ao governo belga. “Com a eutanásia, tenho a certeza de que terei uma morte suave e bonita”, disse ela aos repórteres, em 2016. “Há uma sensação de paz, uma sensação de descanso no meu corpo em saber que posso escolher até onde irei.”
Perante estas palavras, Rapaport ficou maravilhada. “Fiquei tão comovida e intrigada por alguém jovem, bonita, uma incrível desportista que viu que a doença eventualmente a levaria a um ponto em que ela morreria mais jovem do que a maioria das pessoas”, disse, ao Guardian. “E ela viu que o direito de escolher o seu destino, seja ele qual for, deu-lhe tanta liberdade emocional, que ela poderia viver a sua vida plenamente a partir desse momento.”
No filme, Vervoort conta como pensou em suicídio em 2007, quando o seu estado de saúde piorou. Nessa altura, a sua condição impediu-a de participar nas provas de Ironman e triatlo que eram a “sua vida”. Decidiu seguir pela via da eutanásia e conseguiu o consentimento de três médicos. “Foi como se algo pesado tivesse saído de mim”, conta no filme. “Ter a própria vida nas mãos e pode dizer quando é que chega”.
A Bélgica é um dos poucos países onde a morte assistida é legal. As condições são estritas: a pessoa deve estar “em situação médica sem esperança” e em estado de sofrimento físico ou psicológico “constante e insuportável” que não pode ser amenizado. Além disso, é necessário que se prove que o doente tem capacidade mental para tomar a decisão e que não está sujeito a pressões externas.
Rapaport foi ter com Vervoort em dezembro de 2016. Segundo a cineasta, “conversaram por horas”. “Foi uma entrevista muito, muito boa”, lembrou. Foi então que a atleta teve uma convulsão e ficou inconsciente. “Ela estava a ter problemas a respirar e eu não tinha certeza se ela estava a morrer à nossa frente. Foi bastante assustador”, recoordou Rapaport. Quando recuperou, Vervoort deixou claro que queria que o filme incluísse momentos dolorosos e pessoais. E assim foi, durante três anos, com um cenário cada vez mais complexo.
O resultado é um retrato íntimo de 90 minutos nos últimos anos de Vervoort: há picos de adrinalina como quando saltou de bungee jumping na sua cadeira de rodas, paraquedismo indoor, corridas de Lamborghini, e momentos de brincadeira com os amigos. Mas também há pontos duros: a atleta pálida e inconsciente no seu sofá enquanto os seus pais estão preocupados e tentam ajudá-la, ou no hospital, ligada a máquinas.
Desde o início foi decidido que a sua morte não seira filmada. Assim, na sua última festa, a de despedida, Rapaport filma do fundo de uma sala as últimas despedidas e os silêncios custosos de quem sabe que são os últimos momentos. Apesar de ser a decisão Vervoort, muitos amigos não concordavam: “Eu aceito o que ela quer fazer, mas na verdade não gosto disso”, conta um amigo.
Também para Rapaport foi um momento doloroso: a morte de Vervoort foi o fim do projeto, mas também a perda de alguém amigo. “Sim, eu conhecia-a. Eu amava-a. Passamos ótimos momentos juntos”, reforça. Hoje acredita que a eutanásia é um direito humano. “As pessoas deveriam ter o direito de dizer se querem que um médico as ajude no último momento. Se vão morrer de qualquer maneira, isso não é suicídio”, explicou a cineasta.
O filme estreou no ano passado, no dia 22 de outubro. Atualmente só pode ser visto em formato online nos EUA.
