Foi o terceiro e último dia de concentrações e greves convocado por ativistas no contexto dos protestos que abalam o país desde a morte, em setembro, da jovem curda iraniana Mahsa Amini, após ter sido violentamente agredida e detida pela polícia da moralidade, responsável pelo cumprimento do rígido código de vestuário feminino na República Islâmica.
Às primeiras horas da manhã o trânsito era menos intenso que o habitual em Teerão, circunstância que se repetiu no final da jornada laboral, que normalmente às quartas-feiras — a sexta-feira iraniana — é palco de grandes engarrafamentos que hoje não se registaram.
Um número indeterminado de comerciantes manteve encerrados os respetivos estabelecimentos em toda a cidade, mas é difícil obter uma percentagem, dadas as limitações a que estão sujeitos os informadores, a precariedade das redes de internet e a falta de informação oficial.
Nas redes sociais, ativistas divulgaram vídeos com imagens de muitos estabelecimentos comerciais fechados noutros pontos do país, mas trata-se de imagens cuja veracidade não é possível verificar.
No entanto, os protestos nas universidades do país foram hoje especialmente significativos, depois de uma certa calma que reinou nas faculdades nas últimas semanas.
Assim, houve manifestações nas várias universidades de Teerão, Isfahan, Rasht e Mashad, indicaram associações de estudantes.
Em algumas delas, como a prestigiada Universidade Sharif, de Teerão, ou a Universidade Ferdosi, de Mashad, ocorreram confrontos entre os estudantes e agentes policiais.
Esta onda de protestos sem precedentes no Irão desde a Revolução Islâmica de 1979 que instaurou o regime teocrático designado pelos seus líderes como “República Islâmica”, foi desencadeada pela morte, a 16 de setembro, de Mahsa Amini, de 22 anos, em Teerão.
A jovem foi detida na capital a 13 de setembro, porque o ‘hijab’ (véu islâmico) que envergava não lhe cobria totalmente o cabelo, e horas mais tarde transportada, em coma, para o hospital onde morreria três dias depois.
Desde esse dia que há manifestações por todo o país, que têm aumentado de dimensão e intensidade e têm sido duramente reprimidas pelas forças de segurança, inclusive com munições reais, tendo já feito mais de 500 mortos e milhares de detidos — alguns dos quais já condenados à morte em julgamentos sumários e executados.
Embora tenham começado devido à morte da jovem às mãos da polícia da moralidade, os protestos evoluíram e agora os manifestantes reivindicam o fim da República Islâmica fundada em 1979 pelo ayatollah Ruhollah Khomeini, autoridade religiosa xiita iraniana e líder espiritual e político da revolução que depôs o xá do Irão, Mohammad Reza Pahlavi.
Após quase três meses de contestação social, as autoridades iranianas anunciaram, de forma algo confusa, a dissolução da polícia da moralidade, responsável pela detenção e morte de Amini, mas o anúncio não acalmou a situação.
Além disso, o desaparecimento das patrulhas dessa força policial não implicou o fim das leis que impõem o uso obrigatório do véu e outras normas sociais rígidas no país.
Tudo parece indicar que apenas mudarão os métodos utilizados para garantir o cumprimento de tais leis, cujas infrações, como por exemplo “o mau uso do hijab”, passarão a ser punidas com multas e até dois meses de prisão.
Uma das figuras públicas que mais recentemente se juntaram aos protestos foi Badri Hosseini Khamenei, irmã do líder supremo do Irão, Ali Khamenei, e residente no país, que escreveu uma carta na qual afirma esperar “assistir em breve à vitória do povo e à derrocada do regime despótico que governa o Irão”.
“Oponho-me às ações do meu irmão”, escreveu, numa carta hoje divulgada na internet pelo seu filho, que vive em França, Mahmud Moradkhani.
“O regime da República Islâmica de Khomeini e Ali Khamenei nada mais trouxe que sofrimento e opressão ao Irão e aos iranianos. O povo do Irão merece liberdade e prosperidade, e a sua revolta é legítima e necessária para recuperar os seus direitos”, escreveu a irmã do atual ayatollah iraniano na missiva.
Em quase três meses de protestos, pelo menos 2.000 dos milhares de detidos foram acusados de diversos crimes pela sua participação na contestação, 11 dos quais foram condenados à morte.
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