Ao longe, parece um castelo de brincar ali esquecido desde tempos medievais. Empoleirado no topo de um penhasco de rocha negra, é descrito por um utilizador do TripAdvisor como “o hotel mais extravagante do norte da Cornualha”. Mas também “o mais reacionário” – já que, na bandeira hasteada na torre central é possível avisar um Q maiúsculo. Um Q que remete para QAnon, a rede de teorias da conspiração alimentadas em fóruns online pelo famoso Q, um ativista de extrema-direita, alegadamente anónimo que encontrou um amplo eco entre os apoiantes de Donald Trump e do Brexit. E o chamado Castelo de Camelot, em Tintagel, acaba de revelar-se o primeiro hotel britânico a oferecer-se como ponto de encontro para os seguidores daquele culto, pessoas convencidas de que o Partido Democrata americano faz parte de “uma rede satânica” de “pedófilos” que quer “governar o mundo”.
Na costa noroeste do condado da Cornualha, Tintagel é muito conhecida pela lenda do Rei Artur. Perto do hotel, encontram-se as ruínas de uma fortaleza do século XIII e cujas fundações escondem uma construção do período romano-britânico, entre os séculos V e VI. Quando esta última estrutura foi descoberta em 2016, especulou-se que poderia ser o castelo de Uther Pendragon, o local onde o lendário senhor da guerra britânico concebeu o seu filho Arthur. Mas se, nos últimos anos, o mito de Camelot e dos seus Cavaleiros da Távola Redonda tornou-se uma das principais atrações turísticas na área, mais recentemente outro valor se levantou como chamariz – sobretudo desde que o átrio da entrada passou a erguer um quadro com uma dedicatória de Donald Trump. Mas há mais sinais dessa tomada do castelo de Camelot.
Excêntrico, ele?
Segundo contou um grupo de visitantes que andou por ali a passear ao semanário digital Air Mail, a descrição do site remete para um lugar quase mágico, entre o pitoresco e o encantador. Mas além daquela imagem logo à chegada, quando entraram nos quartos encontraram ainda nas almofadas os poemas “esotéricos e patrióticos” do proprietário do hotel, John Mappin, homem já visto a sorrir em fotos ao lado de Donald e Melania Trump, e um dos teóricos da rede conhecida como QAnon.
Entrevistado recentemente para a revista online Coda Story, Mappin, 55 anos, garante que não é de todo “excêntrico” – antes “alguém que procura a verdade”. Diz ele ainda que tem “um bom nariz para tudo o que é novo”. Daí que QAnon, como sublinhou nessa entrevista, tenha sido para ele “uma descoberta espantosa”. Ou seja, “Durante anos, o Partido Democrata manteve uma rede clandestina de abuso sexual de menores e rituais satânicos, a fim de chantagear os políticos envolvidos. O mais surpreendente é que passou despercebido durante todo este tempo, até que investigadores anónimos como Q conseguiram desmascará-lo”.
Mas Mappin, acrescenta o El País, não é um caso isolado em terras de sua majestade: segundo concluiu um estudo recente do grupo antirracista Hope not Hate, um em cada quatro cidadãos do Reino Unodo acredita em pelo menos uma das teorias apresentadas por Q. Ora sabendo disso, Mappin agora já não hesita em apresentar o seu hotel como a primeira residência QAnon nas Ilhas Britânicas, um lugar ideal para “pessoas que estão a alcançar a verdade, mas sentem falta de um ambiente seguro”, no qual possam “partilhar e aprofundar a sua compreensão da mesma”.
Segundo a sua perspetiva, trata-se de transformar a sua cidade no “lugar onde se pode falar livremente de tudo o que o consenso liberal proíbe”, um refúgio para quem quiser “viver de costas para o governo ilegítimo e diabólico da esquerda democrática radical”. Só não aceita que se diga que os quartos dos hóspedes estão cheios de panfletos a amplificar as suas ideias controversas. “Já o li algures, mas devo dizer que é falso”, sublinhou, “todos os nossos hóspedes são bem-vindos, quaisquer que sejam as suas ideias”. E sempre a insistir que “não é nossa intenção impor a nossa visão das coisas ou forçar um despertar espiritual a alguém. Só oferecemos respostas àqueles que já fizeram as perguntas certas.”
No rasto do Rei Artur, mas não só
Filho de um casal de joalheiros e herdeiro de uma considerável fortuna familiar, John Mappin completou os estudos em Los Angeles e foi aí que se interessou pela cientologia e pelo misticismo. Fervoroso apoiante da política conservadora do presidente americano Ronald Reagan e da conservadora primeira-ministra britânica Margaret Tatcher, nos anos 1980, Mappin regressaria ao Reino Unido nos anos 1990 para se estabelecer como investidor na bolsa de valores e empresário hoteleiro. No fim da década, enquanto conduzia ao longo da costa da Cornualha, vislumbrou as torres do Castelo de Camelot, então uma estalagem rural em decadência e decidiu fazer uma oferta ao seu proprietário. Restaurou o espaço, seguindo o plano original, mas reforçando os aspetos neogóticos, e empenhou-se em integrá-lo na chamada rota turística do Rei Artur, impulsionada, entretanto, por descobertas arqueológicas várias na área. Nessa altura, o que dominava as paredes do estabelecimento e prateleiras eram fotografias com dedicatórias de adeptos famosos da cientologia, como John Travolta ou Tom Cruise, e ainda livros do fundador da seita, o escritor de ficção científica L. Ron Hubbard. Hoje, foram substituídos por Donald Trump.
Nada de estranho, insiste o milionário. “É o meu hotel, é lógico que reflita as minhas crenças e interesses”, diz, confirmando que não perde oportunidade de convidar quem esteja de férias nas redondezas a percorrer mais uns quilómetros para descobrir um local com “com vibrações espirituais ainda mais intensas”. Diz ele que “somos mais do que soldados no exército digital de Donald Trump; somos os guerreiros da liberdade”.