Ao longo dos últimos dias, as relações entre a União Europeia (UE) e a AstraZeneca têm vindo a deteriorar-se perante constantes conflitos. Após a assinatura de um contrato no ano passado para aquisição de 300 milhões de doses, a vacina da AstraZeneca com a universidade de Oxford contra a Covid-19 tornou-se numa das oito já asseguradas pela Comissão Europeia para a UE. Contudo, o processo de vacinação está a ser marcado por várias críticas relacionadas com a produção insuficiente para todos os países da UE, o que já levou a atrasos na distribuição – na semana passada, um porta-voz da AstraZeneca avisou que as entregas da vacina na Europa, sob reserva da sua aprovação, iriam ser inferiores ao previsto, devido a problemas na capacidade de produção.
Assim, na segunda-feira, a Comissão Europeia considerou “inaceitável” este anúncio e admitiu avançar com “qualquer ação necessária” para exigir o cumprimento do contrato. Stella Kyriakides, comissária europeia da Saúde, afirmou que “A UE financiou antecipadamente o desenvolvimento da vacina e a sua produção e quer ver o seu o seu retorno” e que “a UE quer saber exatamente quantas doses foram produzidas até agora e onde”, notando ainda não ter tido “respostas satisfatórias”.
Hoje, após este primeiro desacato entre a UE e a empresa farmacêutica, a Bloomberg noticiou que, segundo responsáveis europeus, a AstraZeneca cancelou uma reunião decisiva com a UE, prevista para esta noite, após pressões sobre a empresa para lhes dar mais detalhes sobre o planeamento das entregas de vacinas. Por sua vez, a AstraZeneca não confirmou o cancelamento da reunião e afirmou que continua a planear estar presente na mesma.
O intuito deste encontro virtual passa precisamente por resolver o impasse entre a empresa e a UE, mas as conversas têm sido marcadas por desentendimentos sobre os termos dos contratos, acusações mútuas e ameaças ao negócio da farmacêutica. Desde que foi anunciado o atraso na produção de vacinas numa fábrica da Bélgica, os dirigentes europeus afirmaram que começariam a controlar as exportações de doses – a Alemanha chegou a demonstrar apoio para impor limites a vendas para fora do espaço europeu.
No entanto, a narrativa do diretor executivo da AstraZeneca é diferente. Segundo Pascal Soriot, a empresa assinou um “acordo de melhor esforço”, no qual não se comprometia a garantir doses exatas – sendo a UE “culpada por este conflito”, uma vez que “insistiu em receber a vacina da Universidade de Oxford ao mesmo tempo que o Reino Unido, apesar de ter feito o pedido cerca de três meses mais tarde”. Um dos pontos marcantes deste desacordo é precisamente o uso de vacinas produzidas em fábricas do Reino Unido. Segundo um dirigente da UE, a afirmação de Soriot de que os britânicos têm prioridade nas vacinas produzidas no seu próprio território não tem qualquer base no contrato entre as duas partes.
Perante este impasse, a campanha de vacinação da União Europeia continua atrás do Reino Unido e dos EUA. Segundo a base de dados da Our World in Data, enquanto que os britânicos já vacinaram 10.8 em cada 100 pessoas da sua população e os norte-americanos 7.1, países como Portugal, Itália e Alemanha registam uma vacinação de 2.6, 2.5 e 2.3 por cada 100 pessoas, respetivamente. No topo desta lista surge Israel, onde mais de um quarto da população já recebeu a primeira dose da vacina.
De acordo com o coordenador da ‘taskforce’ portuguesa do Plano de Vacinação da Covid-19, Francisco Ramos, o atraso da vacina AstraZeneca/Oxford não comprometerá a primeira fase do plano português, mas não permitirá antecipá-lo, admitindo uma quebra de 50% do esperado. Em declarações à agência Lusa, o coordenador da ‘taskforce’ do Plano de Vacinação da covid-19 admitiu “um percalço” com o que era esperado, apontando que “a Astrazeneca, de facto, está com dificuldades em cumprir o calendário de produção”, tendo proposto “nos últimos dias, uma redução muito acentuada de entregas para os próximos dois meses”.
Assim que a vacina da AstraZeneca receber aprovação das entidades europeias, esperada num curto espaço de dias, a empresa vai enviar de imediato 3 milhões de doses, com o objetivo de atingir as 17 milhões em fevereiro, afirmou Soriot. Por sua vez, a farmacêutica francesa Sanofi acordou produzir mais de 125 milhões de doses da vacina da Pfizer, desenvolvida em parceria com a empresa alemã BioNTech. Esta vacina, assim como a da Moderna, que enviou as suas primeiras 8.400 doses para Portugal, já estão autorizadas no espaço europeu.
Quanto a possíveis medidas protecionistas na comercialização das vacinas, que podiam colocar entraves às empresas farmacêuticas, a comissária de comércio da UE, Valdis Dombrovskis, assinalou que “não planeamos impor qualquer tipo de proibição ou restrições nas exportações”, acrescentando que este se trata de um “problema primordialmente baseado em transparência nas entregas.” Um alívio para todas as empresas que produzem vacinas, por enquanto.