Não é uma das fúrias divinas relatadas no Antigo Testamento, mas quase parece: Moçambique, e em especial a região central, não consegue reerguer-se do Idai nem com todos os esforços concertados. Por capricho da natureza – ou descuido do Homem no que toca às alterações climáticas – a zona centro do país tem tido uma estação das chuvas pouco amiga das pessoas, muitas das quais ainda estavam a tentar recuperar daquela que foi a por catástrofe nacional a atingir o país, no ano passado.
O relatório mais recente da Organização para as Migrações revela que mais de 15 700 pessoas foram obrigadas a deslocar-se, havendo 2 709 famílias afetadas pelas chuvas torrenciais que entre 10 e 15 de fevereiro caíram na região. A província de Sofala, mais uma vez, foi a que mais sofreu, havendo registos de milhares de abrigos parcial ou totalmente destruídos, milhares de latrinas que desapareceram e pelo menos 9 pontos de água comprometidos. Recorde-se que, praticamente um ano depois do Idai, há ainda cerca de 90 mil pessoas a viver em campos de reassentamento e habitações provisórias, uma vez que não havia verba suficiente para reconstruir as comunidades e, à medida que as doações foram chegando, chegou também a estação das chuvas, que compromete significativamente a capacidade de construção e até de acesso.
Seis escolas – geralmente as estruturas mais resistentes – foram também destruídas pelas chuvas: 3 delas em Sofala e outras 3 na Zambézia. Muitas vezes, estes são os espaços usados para acomodar provisoriamente as famílias que perdem as casas. Sem as escolas, o abrigo das populações fica ainda mais comprometido.
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Fonte: OIM
Numa altura em que várias estradas e pontes se têm feito intransitáveis, empresas particulares e Executivo desdobram-se para dar resposta às necessidades, que não param de aumentar – falta água potável, volta a faltar abrigo, falta comida. No fundo, falta tudo mesmo quando se tenta dar resposta a tudo.
Crianças desprotegidas
As crianças moçambicanas são das mais desprotegidas do mundo no que toca às ameaças provocadas pelas alterações climáticas, alerta o relatório ‘A Future for the World’s Children’, revelado recentemente pela Organização Mundial da Saúde, e elaborado em conjunto com a UNICEF e a publicação especializada The Lancet.
Moçambique conseguiu uma pontuação de apenas 0.24 ponto no nível que conjuga possibilidade de sobrevivência e prosperidade, quando a pontuação máxima é 1.
De acordo com o relatório, que foi conhecido há uns dias, “o objetivo final dos objetivos do desenvolvimento sustentável é garantir que todas as crianças são capazes de se desenvolver e levar vidas felizes e significativas, agora e no futuro”.
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A Bebedo só se chega por via aérea. A descarga de caixotes trazidos por um helicóptero das Nações Unidas com pacotes de Plumpy’Sup, uma pasta nutritiva à base de amendoim, faz-se de forma ordeira, mas o caos instala-se quando um dos caixotes cai acidentalmente. No meio de um grupo de homens que se empurra com violência, esta criança tenta fintar a força dos bastões para alcançar uma das embalagens // Aldeia de Bebedo, Sofala, Moçambique 28.03.19
Assolado severamente por alterações climáticas nos últimos anos, Moçambique aparece assim no 170.º lugar de um ranking com 180 posições: as alterações climáticas, as populações migrantes, as desigualdades persistentes e os conflitos são algumas das ameaças apontadas pelos especialistas que olharam para os vários países do mundo para tentar perceber com ele trata os mais pequenos e as suas possibilidades de sucesso.
Recorde-se ainda que, à semelhança do que a VISÃO tem noticiado nos últimos meses, o número de crianças subnutridas ou em risco de malnutrição grave não tem parado de aumentar nos últimos meses, apesar dos esforços das organizações humanitárias, em coordenação com as autoridades moçambicanas. A falta de alimentos deverá continuar a agravar-se, o que leva a sérios problemas de saúde e desenvolvimento físico e intelectual dos mais novos.