Os números não param de aumentar, à medida que os meses avançam: passaram dez meses desde que o Idai aterrou na Beira, em Moçambique, e o número de desalojados é atualmente de 93 516 pessoas, segundo a Organização Internacional para as Migrações (IOM na sigla em inglês). Desde o início de dezembro, são mais 466 pessoas que precisaram de recorrer a campos de reassentamento – que também aumentaram – segundo a última matriz de acompanhamento a desalojados da OIM.
Para além destes, e segundo as autoridades moçambicanas, existem atualmente mais de 500 mil pessoas a viver em casas destruídas ou estruturalmente danificadas. Muitas necessidades básicas continuam a não ser supridas, numa altura em que o presidente da República Filipe Nyusi já tomou posse para um segundo mandato. As visitas de várias autoridades à região da Beira têm-se multiplicado, mas nem assim parece ser possível aumentar a velocidade de reconstrução da área mais afetada pelo ciclone Idai.
Nova fase, os mesmos problemas
A IOM refere que saiu da fase de emergência e passou à fase de recuperação, na Beira, e que são necessário 52 milhões de dólares para conseguir fazer face às principais necessidades da população até maio deste ano, numa altura em que só tem garantido 36% desse financiamento – ou cerca de 18 milhões de dólares.
No topo das necessidades mantêm-se o acesso a comida, abrigo, água potável, serviços de saúde, bens para o lar e educação, precisamente por esta ordem de prioridade. Combater os surtos de cólera, pelagra ou malária, doenças que sem surpresa se agravaram após o ciclone, devido às condições favoráveis à sua proliferação, tem sido uma das prioridades das organizações humanitárias que se encontram no terreno, numa altura em que o planeamento familiar, o apoio a seropositivos e a vacinação também são alvo de cuidados. Mas apesar dos esforços das várias organizações, em conjunto com as autoridades nacionais, as necessidades continuam a ser superiores à capacidade de resposta.
Saúde e comida em falta
Também a saúde mental tem estado no topo das preocupações da IOM, que revela que as suas equipas conseguiram chegar a 1 451 pessoas, tendo reencaminhado os vários casos para os respetivos acompanhamentos. Ainda assim, continua a ser fundamental chegar sobretudo às crianças que viveram o Idai e que têm, ao longo do meses, mostrado sinais de trauma. Essas informações têm chegado através de professores e profissionais de saúde a atuar no terreno.
Ao longo dos últimos meses a VISÃO tem tentado acompanhar, ainda que à distância, a evolução das populações que foram afetadas pelo Idai – mais de um milhão de pessoas sofreram com o maior desastre natural da história de Moçambique – mas os dados não dão espaço a muitos aplausos.
É que apesar dos esforços nacionais e internacionais, o início da época das chuvas acaba por penalizar o ritmo dos trabalhos, sobretudo nos de construção. Ainda assim, a IOM realça que já conseguiu providenciar apoio a 2 360 lares, através da doação de materiais duráveis que permitem alguma proteção para os telhados e paredes de casas, ainda que provisórias – madeira, folhas de zinco e afins. A outros 4 000 agregados familiares, a IOM entregou kits de ajuda, que incluem cordas, baldes, jerricans e trens de cozinha, sobretudo na zona norte do país, que foi, seis semanas após o Idai, afetada pelo Kenneth.
Clima não ajuda
Recorde-se que aquela zona de África tem sofrido particularmente com as alterações climáticas, o que tem feito as populações enfrentarem diferenças muito significativas de temperaturas, secas extremas e violentos eventos como os ciclones que provocaram inundações até então nunca registadas.
O preço dos alimentos tem estado constantemente a subir, com a escassez de oferta a pressionar. A UNICEF, o Programa Alimentar Mundial e as várias organizações não governamentais que ainda estão no terreno estão a juntar esforços para fazer face às necessidades, mas ainda assim há dúvidas sobre a capacidade de providenciar, sobretudo às crianças e mulheres, a alimentação necessária até, pelo menos, à primeira colheita do ano, que deverá acontecer entre março e maio.