Neste país com mais de 16 milhões de habitantes, chamam à depressão “kufungisisa” que, em língua xona, significa “pensar demais”. Uma reportagem da BBC mostra como o Zimbabué improvisou um corpo de psicólogos e psiquiatras, com resultados notáveis.
A Guerra Civil da Rodésia, que aconteceu entre 1964 e 1979, o Gukurahundi, uma série de massacres de civis realizados pelo exército durante quatro anos, e outros eventos traumáticos fazem com que o número de casos de “kufungisisa” no Zimbabué seja muito elevado.
“No Zimbábue, gostamos de dizer que temos quatro gerações de traumas psicológicos”, conta à BBC Dixon Chibanda, psiquiatra em Harare, a capital zimbabuense, e diretor da Iniciativa de Pesquisa em Saúde Mental Africana (African Mental Health Research Initiative).
Em 2005, durante uma campanha do governo com o objetivo de limpar as favelas do país, foram desalojadas mais de 700 mil pessoas e o psiquatra, que visitou as comunidades após a campanha, percebeu, realmente, a dimensão do problema, com uma incidência muito elevada de stress pós-traumático e vários outros problemas de saúde mental.
O médico pertence à dúzia (sim, apenas uma dúzia) de psiquiatras que atuam no Zimbabué, e, por isso, quem sofre de depressão não é devidamente acompanhado.
Por causa da escassez de profissionais nesta área, e juntamente com a sua equipa, o psiquiatra chegou a uma solução – improvável para o problema da depressão: as avós.
Há 12 anos, a equipa criou o programa Friendship Bench (Banco da amizade, em português), distribuído gratuitamente por 70 comunidades no Zimbabué, que treinou mais de 400 avós em psicoterapia baseada em evidência. O método, que consiste na aliança do conhecimento com a prática, foi testado e expandido a outros países, incluindo os EUA e, só em 2017, teve resultados muito positivos em mais de 30 mil pessoas.
Mas Dixon Chibanda acredita que o projeto tem eficácia e acessibilidade suficientes para chegar a qualquer comunidade de quaquer canto do mundo que precise de serviços relacionados com a saúde mental.
Criar uma rede global de avós em todas as grandes cidades do mundo
Talvez os números não fossem tão assustadores: de acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo têm depressão, que, por sua vez, leva a 800 mil suicídios por ano, a maioria deles em países em desenvolvimento.
No Zimbabué, Dixon Chibanda era o único psiquiatra que trabalhava no setor da saúde pública, mas não havia recursos disponíveis para ajudar a tratar problemas de saúde mental. O que havia disponível eram 14 avós voluntárias, sem experiência em saúde mental. A maioria não tinha sequer ido para a escola.
O médico não acreditou muito na eficácia deste projeto, mas começou a treinar as avós da melhor forma que sabia: inicialmente, tentou utilizar a terminologia médica do Ocidente, utilizando palavras como “depressão” e “ideia de suicído”. Mas as avós perceberam rapidamente que este caminho não era o ideal.
Para conseguirem chegar aos doentes, precisavam de falar a sua linguagem, comunicar com elas através dos conceitos utilizados pelas próprias comunidades para que elas se identificassem e se sentissem empáticas com as avós.
O treino foi feito em conjunto e com ensinamentos dos dois lados: em linguagem xona, foram desenvolvidas as ideias de fortalecimento do espírito e abertura da mente. Esta terapia baseou-se, então, de acordo com o médico, em evidências, mas foi enraizada nos conceitos indígenas.
“Acho que foi um dos motivos pelo qual foi tão bem sucedida”, conta, “porque conseguiu reunir essas diferentes peças usando o conhecimento e a sabedoria das comunidades”.
A resiliência das avós
Como vêm das mesmas comunidades dos pacientes que tratam, muitas das avós viveram traumas sociais semelhantes, mas os especialistas descobriram que elas têm taxas surpreendetemente baixas de transtornos relacionados com stress pós-traumático e outros problemas de saúde mental. Pelo contrário, diz o médico, o que se observa é uma “resiliência incrível perante as adversidades”.
As avós acompanham vários tipos de pacientes: toxicodependentes, seropositivos no limiar da pobreza e com fome, idosos solitários, mulheres grávidas e solteiras e outros. Ouvem as suas histórias e orientam-nos de forma a que cheguem a uma solução através da conversa. Até o problema ser efetivamente resolvido, as avós acompanham quase diariamente os doentes para garantirem que eles estão a aderir ao plano.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, o facto de lidarem com pessoas com estes problemas todos os dias não as torna mais frágeis e propensas a eles. “Estamos a estudar por que motivos isso acontece, mas o que parece estar a acontecer é esse conceito de altruísmo. As avós sentem que estão a tirar proveito de alguma coisa que realmente faz a diferença na vida dos outros”, diz o médico.
Os resultados estão bem à vista: em 2009, o programa – financiado pelo Departamento de Saúde de Harare – já era reconhecido e realizado em várias clínicas, escolas e estabelecimentos policiais e, em 2016, o especialista, em conjunto com vários colegas do país e do Reino Unido, publicou os resultados de um ensaio clínico com 600 pessoas, que testou a eficácia do programa na revista científica Journal of American Medical Association.
A investigação conclui que, depois de seis meses, o grupo que recebeu o acompanhamento das avós tinha diminuído significativamente os sintomas de depressão, em relação ao grupo submetido a um tratamento convencional. Depois de se expandir em vários países, o especialista deu conta de que o Friendship Bench se adapta muito bem em diferentes culturas e há países, como Zanzibar, que utilizou conselheiros – homens e mulheres – mais jovens com resultados também muito eficazes no tratamento da depressão.