O jornalista inglês Daniel Trilling escreveu, durante cinco anos, sobre migrantes e refugiados na Europa. Andou por alguns países, falou com vários e quis contar a história da chamada “crise dos migrantes” através dos olhos de quem passou por esse tormento. O resultado foi publicado há pouco tempo em livro. Lighs in The Distance – Exile and Refuge at the Borders of Europe (ainda sem título em português) do, também editor da revista New Humanist, mereceu a atenção do jornal inglês The Guardian, que publicou algumas partes da narrativa, dividindo o texto em cinco partes explicativas. A todas as cinco perguntas que fazemos agora, partindo dos relatos do autor ao The Guardian, a resposta é não.
A crise acabou?
A crise dos refugiados atingiu o seu pico mediático em 2015 e 2016, quando as televisões e os jornais começaram a mostrar, quase diariamente, imagens de milhares de pessoas a tentar chegar à Europa. Entretanto, o número de migrantes baixou, embora haja milhares em campos de refugiados à espera de documentos.
Pensar que a crise começou e acabou num ano é errado, porque esconde o facto de que as causas que levaram a isso não mudaram. É falso e enganoso pensar que uma Europa, até então imaculada, foi visitada por hordas de estrangeiros com os quais tem pouco a ver.
A União Europeia, embora não pareça, tem um grande sistema para dissuadir e entrada de migrantes indesejados. Se as fronteiras dentro da UE caíram em 1990, à volta da UE foram intensamente militarizadas. Segundo a Amnistia Internacional, entre 2007 e 2013, a UE gastou cerca de €2 mil milhões em vedações, sistemas de vigilância e patrulhamento terrestre e marítimo.
Depois da primavera Árabe, em 2011, o número de pessoas que veio para a Europa em busca de asilo começou a crescer. E, embora tenham sido gastos €2 mil milhões em proteção, apenas foram investidos, no mesmo período, €700 milhões em infira-estruturas e condições para receber refugiados.
Quase três milhões de pessoas pediram asilo em 2015 e 2016, mas a maneira como chegaram às fronteiras foi caótica e muitos morreram pelo caminho.
Um acordo com a Turquia, em 2016, reduziu o número de entrada de sírios na UE, embora haja 12 milhões de deslocados, sendo que cinco milhões de sírios estão fora do seu país. Com os refugiados do Afeganistão a situação foi semelhante, a UE continuou a tentar deportá-los para o seu país, mesmo sabendo que a situação não era boa.
Esta crise não é apenas um movimento de refugiados, mas sim um sistema de fronteiras desenhado para os manter do lado de fora – e isto continua a acontecer.
Podemos separar nitidamente “refugiados” de “migrantes económicos”?
Mesmo dentro do nosso país, muitos de nós somos migrantes económicos, mas o termo ganhou um significado pejorativo com a crise dos refugiados. Se antes, muitos países restringiam os movimentos dos seus próprios cidadãos, hoje qualquer um se pode andar de um lado para o outro. Mas, proporcionalmente à população mundial, o número de migrantes internacionais mantém-se estável desde 1960, 3%. O que mudou foi a origem e o destino das pessoas. Saem de muitos mais países em direção a mais locais, procurando sítios onde o poder e a riqueza se concentrem, como o caso da UE, nomeadamente os países do norte.
Cerca de 90% dos migrantes entram com permissão, ou seja, como vistos ou documentos que os permitem ficar nos países. Mas muitos Estados têm-se esforçado para deixar de fora aqueles que eles não querem.
Apesar das leis internacionais protegerem os refugiados, a definição do “estatuto” de refugiado passou a ser política e com constantes mudanças sobre quem é e quem não é.
Contar “histórias humanas” é suficiente para mudar a mentalidade das pessoas?
A imagem de Alan Kurdi, o menino sírio, de 5 anos, que apareceu afogado numa praia da Turquia, correu mundo. E chocou o mundo. Mas quanto tempo durou esse choque? Aquela imagem tão dura e que, de alguma forma, personificou tantas outras mortes de crianças durante as travessias marítimas do refugiados, durou, na cabeça das pessoas, apenas o tempo de olharem para outra.
Quando as mesmas perguntas são repetidas de forma incessante: De onde é que vem? Como é que chegou aqui? Qunatas horas de barco? E de carro até ao barco? Quanto pagou pela viagem?; o risco de as pessoas se cansarem de ver é enorme e começam a desligar.
Se olhássemos para a história das pessoas, o que elas são na realidade e o que querem fazer, e porque é que arriscam a vida sabendo que os obstáculos que têm pela frente são enormes, talvez o interesse fosse maior.
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) há 66 milhões de pessoas deslocadas, no seu próprio país ou fora. É o maior número desde a II Guerra Mundial, em 1945.
A crise é uma ameaça para os valores europeus?
Os chamados “valores europeus” têm sido invocados tanto para atacar os refugiados como para os defender. Há quem diga, como Viktor Orbán, presidente da Hungria, que está em risco a civilização cristã europeia quando entram muitos muçulmanos. Ou, como o, então, presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, tivesse referido, na altura da entrega do Prémio Nobel da Paz a UE, em 2012: “Como uma comunidade de nações que superou a guerra e lutou contra o totalitarismo, ficaremos sempre ao lado daqueles que buscam a paz e a dignidade humana”.
Segundo o autor Daniel Trilling, ambas as visões estão erradas. A primeira, de Orbán, tenta apagar que a Europa é um continente muito diverso em que cristãos, muçulmanos e judeus estão presentes há séculos. A segunda, quer fazer-nos crer que a Europa é um farol de esperança para o resto do mundo.
Não nos podemos esquecer que milhares de pessoas de países que já foram colónias de estados da Europa, morreram ao atravessar o Mediterrâneo nos últimos 20 anos e que isto apenas se tornou uma “crise” quando já era impossível ignorar o que estava a acontecer.
Uma maneira mais honesta de ver o assunto envolve o reconhecimento e a avaliação do nosso próprio passado.
A História repete-se e não há nada que possamos fazer contra isso?
As guerras fazem refugiados. As pessoas continuarão a ir para onde acham que terão mais qualidade de vida.
As alterações climáticas têm o potencial de criar muitos mais deslocados do que aqueles que vimos nos anos mais recentes.
Apesar de não podermos controlar algumas destas coisas, o importante é que saibamos responder aos acontecimentos e evitar os erros do passado.
Os políticos bem podem tentar fazer uma distinção entre “reais” refugiados e migrantes ilegais, mas isso não significa que aceitemos que essas pessoas são menos do que qualquer outra.