Luiz Inácio Lula da Silva escapou à pobreza, foi metalúrgico e sindicalista, governou o Brasil à quarta tentativa, tornou-se símbolo dos trabalhadores, mas acabou condenado pela justiça e agora enfrenta a possibilidade de não concorrer nas presidenciais brasileiras em outubro.
Para Lula da Silva, Presidente do Brasil entre 2003 e 2011, uma possível condenação no caso de corrupção num julgamento em 2.ª instância que ocorre a 24 de janeiro, pode significar o afastamento da corrida presidencial em outubro, devido à lei da Ficha Limpa.
No entanto, o ex-Presidente pode tentar usar soluções legais para se candidatar, num momento em que continua a ser líder em todas as pesquisas de intenção de voto realizadas no país.
Em julho de 2017, o juiz Sérgio Moro, da 1.ª instância da justiça federal, deu como provado que a construtora OAS entregou ao ex-Presidente um apartamento na cidade paulista de Guarujá, em troca de favorecimentos em contratos com a Petrobras, e condenou Lula da Silva a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e branqueamento de capitais.
O ex-Presidente responde ainda em outros seis processos na justiça, a maioria relacionada ao caso de corrupção na Petrobras, investigado pela Operação Lava Jato.
O filho pródigo do nordeste pobre brasileiro deixou o cargo de Presidente em 2011, depois de oito anos de mandato sempre com elevados índices de popularidade: quando saiu de Brasília, Lula da Silva tinha o apoio de 87% dos brasileiros.
A transferência de poder para Dilma Rousseff (Presidente entre 2011 e 2016), sua afilhada política, foi para Lula da Silva a conclusão de uma vida de dificuldades e incógnitas, a começar pelo próprio dia do nascimento: embora tenha sido registado a 6 de outubro de 1942, a mãe garante que a criança só nasceu a 27 desse mês.
O seu pai, Aristides da Silva, era um camponês alcoólico e analfabeto que teve 22 filhos de duas mulheres, primas entre si: Lindu, mãe de Lula, e Valdomira.
Aristide fugiu com Valdomira da aldeia de Vargem Grande e foi para São Paulo. Lindu, deixada para trás na miséria, agarrou nas crianças e meteu-se num camião e viajou 3 mil quilómetros para Santos, onde aos cinco anos Lula já vendia tapioca e laranjas, e aí conheceu o seu pai.
Em 1956, o futuro Presidente terminava a escola primária e três anos torneiro mecânico. Em 1960 entra para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, tendo subido até à liderança, de onde liderou o maior movimento operário da história do Brasil, afundado nos dias difíceis da ditadura.
Marxista por convicção, em 1980 aproveita a liberdade política entretanto conquistada no Brasil e funda o Partido dos Trabalhadores (PT), que nasceu trotskista mas que, com o passar dos anos e com Lula a render-se ao capitalismo, havia de situar-se no centro-esquerda.
Lula da Silva foi candidato presidencial em 1989, 1994, 1998 e, finalmente, em 2002, ganhou a corrida à Presidência do Brasil.
Em vez de descamisado e com o punho erguido a gritar `revolução`, como nas eleições anteriores, Lula da Silva apresentou-se de fato e gravata, defendendo `paz e amor`, e lembrando as suas origens para conquistar o coração dos eleitores.
A primeira grande iniciativa política foi levar os ministros para fora do gabinete, mostrando a face africana do Brasil e expondo a pobreza do interior do país: era preciso que os nascidos em berço de ouro “sentissem o cheiro da pobreza”.
Com uma política económica ortodoxa, não teve praticamente oposição nos primeiros dois anos de mandato, durante os quais as suas preocupações sociais escondiam a falta de realizações políticas.
É nessa altura que é `apanhado` no primeiro escândalo de corrupção (Mensalão) que decapita a liderança do PT. Lula da Silva, pragmático, distancia-se do seu partido e vai a votos com o apoio do centro e direita, ganhando novamente a eleição de 2006.
O segundo mandato é suportado por uma ampla, mas dissonante coligação, o que dificulta a ação política, mas que Lula considera fazer parte da vida devido à “correlação de forças políticas”.
Fora do Brasil, no virar do milénio, Lula é o homem do momento: em 2008, a Newsweek diz que é uma das 20 pessoas mais influentes do mundo, e em 2009 o francês Le Monde e o espanhol El Pais consideram-no `Homem do Ano`.
Depois de deixar o poder a Dilma Rousseff em 2011, Lula da Silva criou um instituto com o seu nome e usou a sua popularidade para fazer o chamado `circuito das palestras`, muitas delas pagas por empresas que agora também estão sob investigação judicial.
Em março de 2016, um novo capítulo começou na vida do ex-Presidente, quando foi preso pela Polícia Federal. Lula da Silva foi levado da sua casa, na periferia de São Paulo, para depor na polícia, na altura suspeito de ter enriquecido ilegalmente com a corrupção na Petrobras, num esquema de fraude e lavagem de dinheiro que atravessa a elite política brasileira e que está a ser investigado no âmbito da Operação Lava Jato.
Julgamento decisivo para as presidenciais
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será julgado na próxima quarta-feira, na cidade brasileira de Porto Alegre, por um tribunal de recurso que, além de analisar o processo, determinará mudanças de rumo nas próximas eleições presidenciais do país.
Líder em todas as pesquisas de intenção de voto já realizadas, o ex-chefe de Estado, em tese, ficará inelegível se a sua condenação de nove anos e meio de prisão pelos crimes de corrupção passiva e branqueamento de capitais for mantida pelos juízes do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4).
Neste caso, o ex-presidente já disse que fará uma campanha informal, prometendo afrontar os adversários ao dizer que a democracia não é plena no Brasil numa eleição em que ele injustamente foi impedido de ser candidato.
Se for absolvido, o Presidente tem hipóteses de vencer e, por isto, a corrida eleitoral tende a tomar um novo rumo porque com Lula da Silva na corrida os grandes partidos de centro e de direita, que hoje comandam o país e estão divididos, tenderão a unir-se em torno de um nome único para o derrotar.
A influência do ex-presidente brasileiro, líder histórico da esquerda no país, e a importância deste julgamento é tal que a sessão será coberta por pelo menos 300 jornalistas, transmitida ao vivo pelo tribunal na rede social Youtube e pela imprensa local.
Fora do tribunal, protestos a favor e contra o ex-chefe de Estado foram marcados em diversas cidades.
O recurso julgado pelo TRF4 pede a anulação da sentença determinada pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos casos da operação Lava Jato em primeira instância, que considerou Lula da Silva culpado da acusação de receber um apartamento de luxo da construtora OAS em troca de negociar vantagens ilícitas para esta empresa em contratos com a Petrobras.
“Entre os crimes de corrupção e de lavagem [branqueamento de capitais], há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a nove anos e seis meses de reclusão, que reputo definitivas para o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, escreveu Sérgio Moro em sentença proferida no dia 12 de julho do ano passado.
Os advogados do ex-presidente alegam que Lula é inocente, que não é dono do apartamento citado no processo e que o juiz Sérgio Moro não deveria sequer ter analisado as denúncias já que elas não teriam ligação direta com os processos da operação Lava Jato.
A defesa também argumenta que Sérgio Moro condenou Lula da Silva, mas não indicou quais os contratos firmados pela OAS com a Petrobras que teriam sido diretamente influenciados pelo ex-presidente, e que a sentença é resultado de uma perseguição política.
Seja qual for a sentença proferida pelo tribunal de recursos ela trará mudanças de rumo e das estratégias que serão adotadas por partidos e candidatos que disputam o poder no Brasil.
Lusa