A quem ouse acossá-los, os clãs colombianos de narcotráfico sentenciam a morte com esta expressão: “As suas mães deviam tê-los deixado nos ventres.” É o caso do jornalista Leiderman Ortiz, que já sobreviveu a cinco tentativas para o assassinar, a última das quais em maio passado. O primeiro desses atentados, em 2010, foi claro na mensagem mafiosa de guerra – lançaram uma granada contra a sua casa. Hoje, a sua cabeça vale 50 milhões de pesos (15 mil euros), uma pequena fortuna ali.
Em agosto de 2010, o Estado colombiano pôs Ortiz sob a proteção de uma unidade especializada da polícia. Desde então, circula num carro blindado e tem sempre quatro guarda-costas à ilharga. A porta e as janelas da sua moradia são à prova de bala e quatro câmaras vigiam todo o espaço exterior da casa, incluindo o jardim, nas traseiras, que tem os muros encimados por arame farpado. Em Caucasia, onde nasceu há 44 anos e continua a viver, toda a gente chama à residência do jornalista “o bunker”. Com outras cinco autarquias, o município de Caucasia forma a subregião de Bajo Cauca, do departamento de Antioquia, no interior do país e com sede em Medellín. Uma das zonas mais perigosas da Colômbia.
Ortiz é um homem feliz quando tem nas mãos mais uma edição do seu jornal, La Verdad del Pueblo, que fundou em 1998. Hoje a partir do bunker, faz tudo sozinho – da investigação no terreno à escrita das notícias e das reportagens, passando pela paginação e o envio do material para a gráfica. E consegue “furos”, sobre subornos de responsáveis policiais ou assassínios encomendados, que deixam boquiabertos leitores e camaradas de profissão. É evidente que tem fontes na polícia e até no interior dos grupos mafiosos. Também incomoda políticos “corruptos e mentirosos”, e dá-lhes nomes – casos, numa edição recente, do atual presidente da Câmara de Caucasia e do seu antecessor no cargo. É também espantosa a publicidade que angaria e o facto de ter convencido dois pontos de venda a colocarem o jornal nas suas bancas.
Passa horas perdidas sentado à mesa de trabalho, onde emerge um computador como uma espécie de ilha, rodeado de documentos por todos os lados. Mas o que chama a atenção de quem o visita é a enorme quantidade de posters da Virgem Maria e de imagens religiosas coladas nas paredes. Crente desde pequeno, quando ajudava os padres nas missas, acredita ter proteção divina.
É frequente repórteres estrangeiros baterem-lhe à porta. Querem contar a sua história. Notam-lhe a tremura das mãos. Explica que vive em permanente alta tensão. “Outra pessoa não resistiria à pressão destes bandidos”, desabafa. E mal consegue dormir. Nas recorrentes insónias, o que lhe apetece é dar um passeio. Desiste da ideia, porém, quando pensa no incómodo para os guarda-costas. “O medo aguenta-se”, diz. “Mas a solidão é dura.” Os amigos afastaram-se, com receio de serem apanhados no meio de mais uma tentativa dos mafiosos para o liquidar. E a família foi espalhada por diferentes cidades do país. Também corre riscos.
Ortiz avisa que quem manda hoje em Antioquia são as Autodefesas Gaitanistas da Colômbia. Trata-se da junção de grupos mafiosos, há anos em atividade, numa estrutura criminosa bem armada e altamente organizada, com comando único. Dominam a mineração e venda ilegal de ouro, o tráfico de cocaína e o negócio da extorsão. E, diz, regressou o Plano Pistola, uma estratégia de assassínio de polícias a troco de dinheiro, que faz lembrar os piores tempos de Pablo Escobar, que inspirou a série de TV Narcos. Sem a liberdade criativa do ficcionista para decidir quando colocar um ponto final nesta história, Ortiz promete continuar a escrever Verdad, isolado no seu bunker, contestando, a cada dia, o que seria a óbvia cena dos próximos capítulos.