Uma lata de Coca-Cola tem adoçante artificial na Eslováquia e açúcar na Áustria. Os filetes da Iglo incluem mais 8,8% de peixe se forem comprados em Viena que em Bratislava. O queijo Emmental tem uma textura, sabor e cor diferentes consoante esteja do lado ocidental ou do leste da Europa. A lista continua, inclui o Nesquik, a Nutella, o chá Earl Grey e muitos outros produtos. O Muro de Berlim caiu, mas para os antigos países comunistas existe uma discriminação, um “apartheid alimentar” nas palavras do primeiro-ministro búlgaro Boyko Borissov.
Os testes científicos a vários produtos – manteiga, chocolate, enchidos, queijos e refrigerantes, entre outros – sustentam a indignação política a leste com as multinacionais, a quem acusam de tratar alguns como ‘cidadãos de segunda’. Da Bulgária à Hungria, passando pela Eslováquia e República Checa foram realizadas análises a um cabaz de produtos, com a mesma marca e embalagem, comprados em cadeias de supermercados no leste e na Alemanha e Áustria.
O governo de Sofia anunciou que em 31 produtos, pelo menos sete registaram discrepâncias nos ingredientes – e o preço até era superior em 16 deles quando a Bulgária é um dos países com menor rendimento da União Europeia (UE). Na Eslováquia, outra análise do supervisor alimentar a 22 produtos encontrou diferenças consideráveis e com impacto ao nível da qualidade em dez deles. Um dos argumentos do lobby FoodDrinkEurope, em declarações ao site Politico.eu, é que os produtos são feitos em várias fábricas, cada uma com processos de produção diferentes.
“Cada cidadão tem o direito de comprar produtos da mesma marca com igual qualidade, ainda que em diferentes regiões ou num país em particular”, refere o comunicado conjunto do grupo de Visegrado – Polónia, Hungria, Eslováquia e República Checa –, que se reuniu esta semana em Budapeste. O quarteto, que inclui líderes com tiques populistas e em rota de colisão com Bruxelas, aumenta cada vez mais a pressão junto das instituições europeias para existir uma nova regulação.
A Comissão Europeia simpatiza com a causa da “dupla qualidade alimentar” do Leste mas não o suficiente para avançar com mais legislação. “Já existem regras para evitar que os consumidores sejam induzidos em erro”, defende a porta-voz da comissária da Agricultura, uma pasta que estás na mãos da checa Vera Jourová. As leis europeias indicam que os produtos devem apresentar uma lista detalhada de ingredientes nos rótulos, mas não exige uma receita uniforme no espaço europeu. Em vez de mais regras, Bruxelas prefere desenvolver análises comuns dos produtos e assistir os países no caso de existirem práticas de comércio injustas.
O grupo de Visegrado considera a resposta europeia insuficiente e pede “medidas concretas”, entre as quais um “indispensável quadro legal”. A questão é o “novo cavalo de batalha” dos governos populistas, diz o analista búlgaro Antony Galabov ao site euroactiv.com, antes de acrescentar que “querem provar que a UE é incapaz de garantir o igual tratamento entre cidadãos”.
Na República Checa, o governo ampliou entretanto as análises comparativas a outros produtos como detergentes. Perante os resultados diferenciados do Persil, a empresa produtora Henkel admitiu que o produto vendido no mercado eslovaco tinha menos elementos activos que a versão alemã. E apresentou uma explicação: quer os eslovacos, quer os checos lavam a roupa a temperaturas mais elevadas que os alemães. No final, o resultado é igual, segundo a Henkel. Se o produto fosse o mesmo, talvez as famílias do Leste preferissem uma temperatura mais baixa…
“Isto tem de acabar”, avisou Robert Fico, primeiro-ministro eslovaco, antes de ameaçar com uma ação unilateral em setembro, se nada for feito entretanto. Uma das hipóteses em cima da mesa passa por instruir o setor público do país a apenas comprar produtos “made in Eslováquia”. A medida seria, essa sim, alvo de represálias de Bruxelas uma vez que contraria o princípio de liberdade de circulação de bens.
O grupo de Visegrado prepara-se para apresentar os resultados das análises ao presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, depois do assunto da “dupla qualidade alimentar” ter sido abordado, sem grandes resultados, no Conselho Europeu. O quarteto fez o trabalho de casa. Falta saber se nos outros países menos ricos da UE, como os do Sul, também existe a preocupação da qualidade dos produtos que chegam aos supermercados. GM