São raras as fotografias de Franklin D. Roosevelt sentado na cadeira de rodas com a qual se deslocava. Aquele que foi um dos mais notáveis presidentes dos Estados Unidos, liderando o país durante a II Guerra Mundial, fazia os possíveis para aparecer em público de pé (embora amparado).
Paralisado depois de ter contraído poliomielite aos 39 anos, Roosevelt fazia os possíveis por esconder as suas limitações físicas. “Foi um dos maiores presidentes americanos. E hoje dificilmente seria eleito”, refere o politólogo Pedro Adão e Silva para quem “a saúde é o último reduto da privacidade”.
Será? Em cargos altamente personalizados – como é o caso do Presidente da República – e na tradição política anglo-saxónica, tudo o que é pessoal é escrutinado: a religião, o casamento, a família, as relações com os vizinhos e, claro, a saúde.
“Nos EUA, a dimensão pessoal dos candidatos está sempre à frente”, explica o politólogo António Costa Pinto. “Entre a atenção mediática e a reação automática dos candidatos (veja-se como Hillary se fez prontamente fotografar, sorridente, a sair de casa da filha, mesmo que estivesse com 40º de febre!), o direito à privacidade ou à confidencialidade clínica têm sido menorizados. Aliás, reivindicá-los até seria danoso para a imagem dos candidatos”, continua o investigador do Instituto de Ciências Sociais.
O facto é que a saúde de Hillary Clinton faz manchete nos principais jornais americanos, depois de a candidata democrata ter sido filmada a sair mais cedo da cerimónia de homenagem às vítimas do 11 de setembro, no domingo, a desfalecer, tendo sido amparada por assistentes.
A candidata recolheu ao apartamento da filha, Chelsea, em Nova Iorque, e logo os apoiantes de Donald Trump especularam em torno das eventuais doenças de Hillary: disfasia, Parkinson, epilepsia, etc. E, a dois meses das eleições, o candidato republicano começou a subir nas sondagens…
Afinal, diz a médica que acompanha a democrata, é pneumonia – para tratar com antibióticos e descanso. E logo Hillary, de 68 anos, deixa o apartamento da filha, postando-se frente às câmaras, dizendo que se sente “maravilhosamente”.
É tudo política?
Portugal é um país pouco dado a escrutínios da vida privada (a relação extraconjugal de Francisco Sá Carneiro não o impediu de ser primeiro-ministro), mas o tema da saúde dos presidentes vai aparecendo pontualmente. Quando Cavaco Silva teve a “reação vagal”, nas comemorações do 10 de Junho, em 2014, ou na época em que Jorge Sampaio foi operado ao coração e Almeida Santos passou a ser Presidente interino.
“A divulgação do boletim clínico só fará sentido em cargos de eleição direta (como o Presidente da República), mas não como constrangimento. Deve partir do candidato e no caso de ter alguma doença, para mostrar que não é inibidora da função. Tudo o resto é violação da privacidade”, afirma Pedro Adão e Silva.
Até porque, a dimensão pessoal da vida dos candidatos é facilmente uma arma de arremesso político. “E de gestão política”, como acrescenta António Costa Pinto, explicando que os próprios candidatos utilizam esse elemento para retirar proveitos políticos.
Seja como for, fica a dúvida: teriam os franceses o direito de saber que François Mitterrand fora diagnosticado com um cancro na próstata seis meses depois de assumir o cargo de presidente da França? Doença que ele fez questão de esconder, classificando-a como “segredo de Estado”, embora divulgasse frequentemente o seu boletim clínico.