Já todos pensávamos conhecer esta história, depois de lidos e ouvidos tantos relatos de refugiados sírios, nas suas perigosas travessias do Mediterrâneo em frágeis botes de borracha. Mas ainda não tínhamos viajado com eles, ainda não tínhamos visto de forma nua e crua como é realmente dura, sob todos os pontos de vista, esta odisseia.
Para jornalistas e documentaristas não é viável entrar a bordo de um destes barcos (mesmo que se encontrasse a coragem para o fazer). Os traficantes que controlam o negócio dispensam a publicidade e não o têm permitido. Além disso, a presença de uma equipa de filmagens poderia alterar, por si só, a realidade. Daí que a ideia do realizador James Bluemel e do produtor Itab Azzam, da BBC2, tenha sido a de dar telemóveis a vários refugiados, pedido-lhes que filmassem para eles.
Não foi fácil montar a operação, pontuada por inúmeras peripécias, ao longo do último ano. Perderam-se muitos telemóveis (o paradeiro das pessoas é incerto, estarão vivos, estarão mortos?), outros não aguentaram a água, outros ainda deixaram de ter um cartão SIM funcional quando cruzaram determinadas fronteiras, impedindo o retomar do contacto com a produção.
O resultado, que será revelado a partir da próxima semana no Reino Unido, num documentário em três partes, é comovente, apesar de brutal.
Com Hassan, um professor de inglês em Damasco, que conseguiu chegar a Inglaterra depois de 87 dias de viagem, vemos a aflição de quem está dentro de um bote a meter água, rezando para não morrer a meio caminho. Vemos como não parece haver lugar nem para mais uma pessoa, vemos o olhar triste e perdido de uma criança, fixado nos homens que travam uma luta desigual, no meio do mar imenso, tentando retirar água do bote com pequenas garrafas de plástico.
Através do olhar Isra’a, uma menina síria de 11 anos, vivemos o drama das crianças que seguem as suas famílias, sofrendo o inimaginável para conquistar, apenas, o direito de sobreviver. A sua família (8 adultos e 8 crianças, uma delas gravemente deficiente), pagou 12 mil euros aos traficantes para passar da Turquia para a Grécia. O objetivo era chegar à Alemanha. Viviam todos do trabalho num pequeno restaurante na Síria e o pai, Tarek, chorava todos os dias na Turquia quando percebeu que o dinheiro não chegava para fazer passar a família nos barcos. Aceitou todos os trabalhos que conseguiu e a filha Isra’a acabou a vender cigarros nas ruas – mas conseguiram juntar a fortuna que lhes exigiam.
Na viagem, o homem só chorava, uma vez mais, pensando na possibilidade de ver a sua menina morrer afogada. Se lhes tivessem permitido apanhar o ferry, a travessia seria absolutamente segura e muito mais barata: 22 euros por cada bilhete.
Quando Hassan chegou a Inglaterra, a campanha pelo Brexit estava ao rubro. Ficou destroçado a ouvir os argumentos do Ukip contra os imigrantes, como ele. Hoje diz esperar que as suas filmagens neste documentário ajudem a mudar a opinião pública europeia sobre o que move as vagas de sírios que fogem da guerra. “Estive preso por fazer oposição à ditadura, sobrevivi ao Isis, a Assad, às decapitações… fugi para sobreviver, tal como todos os que viajaram comigo. Isto não é uma invasão.”