“Durante todo o dia ouvi e ouço inúmeras ambulâncias, helicópteros e carros de polícia a passar pelo centro da cidade. Pode haver uma pessoa em estado grave em cada ambulância que passa. Este vai e vem custa bastante”, diz Pedro Rupio, 32 anos, nascido na Bélgica, conselheiro das comunidades portuguesas e conselheiro municipal em Saint-Gilles, bairro da capital belga. Foi o primeiro primeiro português a ser eleito, em Bruxelas, em eleições comunais. Na cidade belga vivem 50 mil portugueses.
Rupio trabalha no departamento de comunicação do grupo BNP Paribas Fortis. Chegou esta manhã ao trabalho, pelas 8h30 locais e foi aí que uma colega o informou das duas explosões no aeroporto. “A seguir fomos informados de um novo ataque no metro de Maelbeek. Alguns colegas meus ficaram feridos. Eu estou a 20 metros da estação central, que se encontra encerrada, assim como toda a rede de transportes. Aqui no trabalho recebemos ordem para não sairmos do edifício. Nem podemos, pois está fechado”, explica.
Apesar do envolvimento da Bélgica com a luta contra o terrorismo, Pedro Rupio não estava à espera de uma acontecimento com esta gravidade. “Estava consciente de que a situação era crítica desde os atentados de Paris. . As nossas vidas mudaram com a presença dos militares e o nível de alerta 4… Mas o que aconteceu foi muito grave”.
Selma escapou por pouco
A cantora moçambicana Selma Uamusse, 34 anos, vive entre Lisboa e Bruxelas há dois anos. O seu voo aterrou no aeroporto de Bruxelas por volta das 6 da manhã. “Mas vinha muito cansada e fiquei a descansar, numa área de descanso, entre as chegadas e as partidas. Saí do aeroporto por volta das 7h20. Apanhei o comboio, depois o metro e, ao chegar a casa, parecia-me tudo mais agitado do que o normal, mas as pessoas não sabiam ainda o que se tinha passado”, conta.
Selma, que foi voz da banda Wraygunn, confessa-se perplexa. “Temos a nossa liberdade assumida como garantida, apesar de já estarmos habituados a lidar com policiamento constante e metralhadoras na rua, no metro e no aeroporto…”, diz.
O que se sente quando uma coisa destas acontece na nossa cidade? “É certo que me sinto grata por ter sobrevivido, mas há uma tristeza profunda. tenho estado o dia todo a ouvir as sirenes com o coração apertado. E há um medo. Tentamos contrariá-lo, não deixar que seja superior aos valores humanos. Mas há um receio, tenho filhas pequenas e fico com vontade de pegar nelas e ir imediatamente para Portugal”, descreve. No entanto, conclui Selma, “não é possível controlar tudo”.
Maria pergunta: “Que mundo é este?”
Maria Veiga da Cunha tem 52 anos e é investigadora na área das doenças metabólicas. Vive em Bruxelas há 22 anos. “Soube dos atentados no aeroporto ainda em casa e fui trabalhar. Aqui na faculdade de medicina [da Universidade Católica de Louvain] as atividades académicas estão encerradas”, conta. Da sua janela, vê o hospital St. Luc, que está a receber feridos.
“Abdeslam foi preso e eu achei que isso era um alívio, que tudo isto ia acalmar. Sinto uma tristeza profunda”, afirma, questionando que combate se pode fazer contra “pessoas transformadas em bombas, sem qualquer respeito pela vida humana”?
Mas o seu pensamento vai sobretudo para os dois filhos, já nascidos na Bélgica. “Estão naquela idade em que tudo é esperança, em que há uma visão romântica do mundo e, de repente, aqui está a dura realidade. É desconcertante para os miúdos. Num mundo tão podre, que vidas podemos ter?”, pergunta.