Quatro quilómetros separam a avenida mais chique de Bruxelas – com as lojas de Michael Kors, Hugo Boss, MaxMara ou Longchamp – do bairro mais pobre da cidade – Molenbeek.
Situado a noroeste do centro, do outro lado do canal, Molenbeek-Saint-Jean é o bairro mais jovem, mais magrebino, mais pobre e com maior densidade populacional da cidade. Nos seus seis quilómetros quadrados vivem 96 mil pessoas. E, não sendo um gueto árabe (há zonas onde reside uma certa burguesia), a concentração de magrebinos atinge, em alguns pontos do bairro, os 80 por cento. Um terço dos residentes estão no desemprego (número que sobe para os 40% entre os jovens), tornando Molenbeek mais vulnerável ao consumo e tráfico de droga, à pequena criminalidade e ao radicalismo. Daqui partiram muitos jovens para o Daesh. Muitos já o veremos combatem atualmente nas fileiras do autoproclamado Estado Islâmico (EI). “Por favor, percebam que, se muitos partiram daqui para a Síria, é sobretudo porque nunca ninguém se ocupou deles até que estes fanáticos lhes tenham dado a impressão de que eles iam, finalmente, existir”, relatou um molenbeekois ao Le Monde.
ATENTADO@MOLENBEEK.BE
Não é a sua «fisionomia» que tem levado Molenbeek às páginas dos jornais, mas sim o ser considerado o “quintal do jihadismo” (como lhe chamou o La Vanguardia). Vejamos esta sucessão de datas:
24 de maio 2014. Mehdi Nemmouche entra no museu judeu de Bruxelas e abre fogo, matando quatro pessoas. Nemmouche, francês de origem argelina, tinha aterrado (vindo da Síria) em Frankfurt, a 18 de março, e desaparecido do radar. Hoje suspeita-se que tenha ido diretamente para Bruxelas. Aí, alugou um quarto alugado por dois meses (abril e maio), onde terá preparado o atentado. Onde? Molenbeek.
15 de janeiro de 2015. Numa antiga pastelaria, na cidade de Verviers, a polícia neutraliza uma célula jihadista que preparava um atentado em território belga. Registaram-se duas mortes (de suspeitos) e são apreendidos uniformes da polícia, material de comunicações, documentos falsos, dinheiro, armas e munições. Onde? em Verviers e em Molenbeek.
21 de agosto de 2015. Ayoub El Khazzani entrava, em Bruxelas, no comboio Thalys que liga Amesterdão a Paris. Pelas 18 horas, um dos 554 passageiros encontra-o armado e de tronco nu. Tenta imobilizá-lo, sem sucesso. Acaba, no entanto, detido por militares americanos de férias na Europa. Mais tarde, buscas seriam feitas às casas da sua irmã e de um amigo, que o haviam acolhido após o regresso da Síria. Em Molenbeek,
13 de novembro de 2015. Paris. No boulevard Voltaire, Ibrahim Abdeslam faz detonar o explosivo que traz à cintura. O seu irmão, Salah, alugara um VW Polo na Bélgica, deixando-o junto ao Bataclan, e regressaria à boleia (até foi controlado pelas autoridades), no sábado de manhã. Nascido e criado em Molenbeek, Salah é o homem mais procurado do momento. O terceiro irmão, Mohamed, foi detido mas libertado na segunda, 16. Tem mulher e dois filhos e é funcionário da junta de freguesia de Molenbeek há 10 anos. Nessa sexta-feira 13, estava na cidade de Liège, onde pretende abrir um bar com um sócio. As autoridades apontam um amigo de Ibrahim e de Salah como sendo o cabecilha dos atentados em Paris. Trata-se de Abdelhamid Abaaoud, belga de 28 anos, nascido em Molenbeek, que se juntou ao EI em 2013 (ver caixa). De acordo com o Le Monde, ainda viveram em Molenbeek dois dos protagonistas dos atentados que, em 2004, fizeram 191 mortos em Madrid.
“O FANATISMO NÃO TEM LUGAR ENTRE NÓS”
Com a sua densidade populacional, Molenbeek torna fácil o anonimato de quem queira lá passar uns dias ou uma temporada. O bairro está munido de um sistema de “telepolícia”, destinado aos comerciantes. Em finais de outubro, recebeu mais de 10% das verbas (do governo) destinadas a reforçar o “plano de ação contra o radicalismo e as partidas para a Síria”.
De acordo com a presidente da junta de Molenbeek, Françoise Schepmans, não se registam partidas para a Síria e Iraque desde julho. Mas nem todos concordam. Pieter Van Ostaeyen (blogger, historiador e mestre em estudos árabes e islâmicos) acredita que, entre abril e outubro, 31 belgas se juntaram às fileiras do autoproclamado Estado Islâmico.
O Procurador Geral belga, que procurou traçar o perfil do radicalismo no país, revelou, dia 12, que “pelo menos 494 belgas partiram para a Síria e Iraque” (segundo Pieter Van Ostaeyen, os números chegam aos 516) e garante que “272 belgas combatem, atualmente na Síria”.
Domingo, 15, o primeiro ministro belga, Charles Michel, explicava em várias entrevistas televisivas que a Bélgica é “um pequeno país cuja dimensão e localização favorece a circulação de pessoas com más intenções”, constatava que “há quase sempre uma ligação [de atos terroristas] com Molenbeek, que há um problema gigantesco” e que existe uma preocupação com o que chama de returnees, “jovens combatentes que foram treinar ou mesmo combater na Síria e que voltam, por vezes com más intenções, por vezes radicalizados, habituados ao manuseamento de armas”. Com a Bélgica em “alerta máximo”, garante que o seu país tem trabalhado muito nessa área. E que os primeiros resultados estão à vista: o atentado de Verviers foi evitado e a justiça registou “167 condenações por atos de terrorismo em alguns meses”, o que considera “enorme”. “A luta contra o radicalismo, contra o extremismo, deve ser uma prioridade”, diz, porque “o fanatismo não tem lugar entre nós.”