Só quem seguiu muito distraidamente o processo que conduziu François Hollande a decidir uma intervenção da França em teatros de guerra como o Mali, a República Centro-Africana e o Iraque (na coligação contra o Estado Islâmico), consegue mostrar-se hoje surpreendido com o aparecimento do Presidente francês nas farpelas de um chefe de guerra.
Se no plano da política nacional o antigo primeiro secretário do Partido Socialista Francês não consegue desfazer-se de uma inoxidável reputação de moleza e de hesitação, já quando se trata de decisões militares François Hollande usufrui de um grande crédito nas outras capitais. Consolidou-lhe em grande parte esta fama a sua implicação na eliminação do líder dos Shebab, o grupo islamista da Somália que tinha torturado e assassinado, em condições temíveis, um agente secreto francês. «Limpem-lhe o sebo», ordenou François Hollande. O chefe dos Shebab foi morto a 1 de setembro de 2014, num raid americano conduzido com informações fornecidas pelos serviços de espionagem franceses, e a pedido deles.
Mas quando a população francesa vê o seu chefe na senda de guerra, ela mostra-se mais circunspecta. Espera que a mão não lhe trema na hora de tomar decisões, mas ao mesmo tempo exige-lhe que seja reflectido. «Estamos em guerra contra quem?», perguntava-lhe no sábado o autor de banda desenhada Joann Sfar, muito popular em França, autor de O Gato do Rabino. «Se o presidente não responde, a extrema-direita vai responder e vai dizer: estamos em guerra contra os muçulmanos. Não, não estamos. Apontam o dedo aos muçulmanos de França, mas não foram os muçulmanos de França que deixaram o Qatar financiar os estádios de futebol. As nossas elites venderam-se aos países da idade do bronze, só por dinheiro». Esses países são o Qatar e a Arábia Saudita.
No capítulo da diplomacia, a França enfiou-se num camisa de onze varas ao adoptar um pragmatismo que lhe estala agora na cara. A França estreitou de tal modo laços comerciais e financeiros com Riade (e Doha) que passou a ser considerada no Médio-Oriente como a aliada ocidental da Arábia Saudita na guerra lavrada deste país sunita contra o Irão e a Síria chiitas. E ao mesmo tempo, aparece como dependente de um país que, nos bastidores, muito tem favorecido a expansão do Estado Islâmico, comanditário dos atentados de Paris. Ao mesmo tempo, Paris sente-se só na cena internacional. Nenhum responsável francês ignora a responsabilidade dos EUA na expansão e na consolidação do EI, quanto mais não seja por terem fechado os olhos. Os europeus aplaudiram o «guarda-chuva» militar francês em África e no Iraque, mas evitaram dar qualquer apoio. Considerado como responsável em parte deste quebra-cabeças diplomático, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius deveria deixar o Quai d’Orsay no fim do ano. Um antigo chefe da diplomacia, Hubert Védrine, e a presidente da comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros, Elizabeth Guigou, são os nomes mais citados para lhe sucederem.
Por fim, certos comentadores perguntam-se até que ponto a postura marcial poderá ter sido inspirada também pela vontade salvar a prata da casa nas eleições regionais que se anunciam desastrosas para a maioria socialista, em dezembro. A ideia é que ao enfiar de forma ostensiva o fato da firmeza, associada neste país com os conservadores, Hollande tentaria puxar o tapete debaixo dos pés à direita e impedir a extrema-direita de Marine Le Pen de ganhar a presidência de uma região.