Portugal tem escapado aos surtos de atentados terroristas. Mas “está sempre lá com um pé”, diz uma fonte próxima dos serviços de informações portugueses. Desta vez, a relação para já encontrada dá-se pelo parentesco: um dos autores dos atentados de Paris, Ismaël Omar Mostefaï, era filho de uma portuguesa. Mas basta apelar à memória para perceber que não é a primeira vez que os trajetos dos terroristas se cruzam com Portugal.
Mohamed Atta pilotava o primeiro avião que chocou com as Torres Gémeas, em 2011. Tinha estado em Portugal na mesma altura que um irmão de Bin Laden, dois meses antes dos atentados do 11 de Setembro. Jamal Ahmidam, considerado o cérebro dos atentados de Madrid, guardava no seu apartamento munições fabricadas em Moscavide e metralhadoras de um lote importado para as Forças Armadas portuguesas. Abu Salem, o indiano autor do atentado que provocou 257 mortos em Bombaim, em 1993, foi detido em Lisboa, em 2002. Mohamed Bouyeri, que assassinou, em 2004, o realizador holandês Theo Van Gogh, era o dono do carro que transportava um grupo de magrebinos que foi expulso de Portugal, em vésperas do Euro 2004. Também em 2004, suspeita-se que Noureddine El Fatmi estaria a preparar um atentado no Palácio do Freixo, que marcava o arranque do Europeu de futebol e onde deveria estar presente Durão Barroso. O holandês de ascendência marroquina estava alojado numa pensão do Porto e antes de viajar para Portugal terá deixado uma carta à família a anunciar que iria morrer como mártir.
Prevenir um atentado com a dimensão do de sexta-feira, 13, em Paris, não foi possível em França, país em que os serviços de informações estão autorizados, por exemplo, a fazer escutas administrativas que podem ser usadas como prova em tribunal. Em Portugal, mesmo com autorização de um juiz, as escutas continuam vedadas ao Serviço de Informações de Segurança (SIS) e ao Serviço de Informações Estratégicas e Defesa (SIED), a secreta interna e externa, depois do chumbo pelo Tribunal Constitucional do último diploma que pretendia “legalizar” a atividade das secretas. Aos espiões portugueses resta controlar os suspeitos de terem ligações a redes jihadistas internacionais por outros meios, como as vigilâncias, embora essas também não sejam formalmente aceites pela lei.
O problema é que, de acordo com fontes ouvidas pela VISÃO, os meios humanos dos serviços não permitiriam, neste momento, acompanhar, 24 sobre 24 horas, mais do que meia dúzia de alvos em simultâneo. Se não se escolhem os alvos certos, como seria possível impedir o crime? “Em Portugal, sobretudo a esquerda, tem uma visão demasiado assombrada do papel das secretas. Mas nos últimos dias ouvi dezenas de pessoas questionarem por que razão os serviços de informações franceses não conseguiram prever estes atentados”, afirma fonte ligada às secretas à VISÃO.
França já veio anunciar que travou cinco atentados desde o Verão de 2013; Inglaterra terá travado sete. Em Portugal, as autoridades preferem manter estes dados em segredo.
Certo é que os cuidados dos países vizinhos também têm de ser redobrados depois de um atentado com a dimensão do de Paris. Por esta razão, as primeiras medidas portuguesas do pós-atentado francês foram o reforço da segurança nas fronteiras e nas embaixadas. Perante a circunstância de a mãe de um dos atacantes ter nacionalidade portuguesa terão sido naturalmente pedidas informações por parte dos serviços de informações franceses sobre familiares da mãe e possíveis entradas e saídas do país, razão pela qual agentes do SIS ter-se-ão deslocado a Póvoa do Lanhoso, como avança a edição de hoje do Jornal de Notícias. A Unidade Nacional Contra Terrorismo, da Polícia Judiciária, é também chamada a colaborar caso tenha informações sobre algum dos atacantes ou de alguém, residente em Portugal, que possa estar ligado à mesma rede. Como estamos perante um cenário de pós-crime era a esta unidade que caberia desencadear as operações caso um dos suspeitos dos atentados fosse localizado em Portugal. Também as outras polícias – como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a PSP e a GNR – a todo o momento têm como missão partilhar qualquer informação que possa ter relação com o que se passou em França, na passada sexta-feira.
A proximidade entre França e Portugal terá ainda obrigado o governo a pedir uma reavaliação do nível de ameaça. Mediante a informação disponível, os serviços de informações propõem um nível entre 1 e 5, sendo o 5 o mais grave. Por norma, os serviços fazem acompanhar o grau de ameaça de propostas concretas para fazer face às ameaças. Mediante a gravidade, pode ser proposto ora o reforço do controlo fronteiriço, ora o fecho de determinados locais considerados mais sensíveis (normalmente estações e aeroportos), patrulhamento de proximidade nalguns locais ou mesmo patrulhamento aéreo nalgumas zonas. No período pós-atentados de Atocha, em 2004, o grau de ameaça definido pelos serviços portugueses foi o 4.