O último debate das eleições europeias, transmitido pela RTP, reuniu os nove partidos sem assento parlamentar. Conduzido pelo jornalista Carlos Daniel, a conversa de 100 minutos, nas instalações da Nova SBE, em Cascais, tocou em diversos temas, mas tornou-se muitas vezes confusa, com tiradas dos candidatos que chamaram a atenção pela excentricidade – como já tem vindo a ser habitual nestas ocasiões.
A divulgação de um acordo de paz secreto assinado entre Putin e Zelensky, divulgado por Joana Amaral Dias (cabeça de lista do ADN), a inconfidência de Márcia Rodrigues (RIR) sobre uma conversa com a embaixadora a Ucrânia em Portugal, dizendo que esta considera que as televisões ocidentais dramatizam a guerra no seu País, a insistência de Pedro Ladeira (Nós, Cidadãos) pelo fim do celibato na Igreja Católica ou os ataques contra judeus do de Rui Fonseca e Castro (Ergue-te) são, apenas, alguns dos exemplos. O histórico José Manuel Coelho (PTP) resumiu, assim, a prestação dos colegas de painel: “Alguns candidatos só dizem bacoradas”.
A VISÃO faz um resumo das frases que marcaram o debate.
Duarte Costa –Volt Portugal: Aposta nas Forças Armadas Europeias
“Good evening”. O candidato do partido pan-europeu começou o debate dirigindo-se aos telespectadores que comunicam “apenas em inglês”, garantindo que toda a conversa seria, mais tarde, legendada e partilhada nas plataformas do Volt Portugal.
Fiel ao projeto do partido, Duarte Costa insistiu no federalismo europeu como solução “para resolver os problemas internos” da Europa. Mas a principal ideia trazida para este debate terá sido a de “um projeto de Defesa Comum”. O cabeça de lista do Volt Portugal recordou que os valores gastos pelos 27 Estados-membros, nesta área, atingem números próximos dos orçamentos de Rússia e China, considerando que a criação das “Forças Armadas Europeias” permitiria “reforçar o pilar europeu na NATO”.
Outra das propostas-chave desta candidatura passa pela atribuição de um rendimento básico europeu, com vista a apoiar “cerca de 40 milhões de europeus que vivem no limiar da pobreza”. “A criação de um ministério das finanças europeus para taxar as grandes corporações” é a solução apresentada, um projeto que Duarte Costa acredita que “vai permitir tornar as pessoas menos vulneráveis”, travando o “descontentamento” e os “votos de protesto”, que, destaca, “alimentam populismos e extremismos”.
José Manuel Coelho – Partido Trabalhista Português (PTP): “[Os adversários] só dizem bacoradas”
O histórico José Manuel Coelho – o único candidato que não marcou presença na Nova SBE – debateu, à distância, a partir dos estúdios da RTP no Funchal – não gostou do que ouviu, não só de Duarte Costa, mas de todos os outros colegas (ou adversários) de painel. “Alguns só dizem bacoradas”, defendeu.
O madeirense, candidato do PTP (uma vez mais), atirou-se a quem “apoia a guerra”, sublinhando que a posição do seu partido sobre o tema “é igual à do Santo Padre [Papa Francisco]”: “Negociar a paz”. “A guerra não deve ser apoiada em nenhuma circunstância”, estando “contra o primeiro-ministro ter aprovado o envio de 126 milhões de euros, tirados dos impostos dos portugueses para meter na guerra”. “O senhor [Montenegro] é um insensato”, resumiu.
José Manuel Coelho focou-se também no dinheiro atribuído pela União Europeia (UE) a Portugal, através dos fundos europeus, garantindo que “parte desse valor “desaparece” ou é “desviado” pela “corrupção”. “Um terço do dinheiro que a UE atribui a Portugal é desperdiçado”, afirma.
Manuel Correia – Partido da Terra (MPT): Por um mundo “mais feliz”
O psicólogo sentou o telespectador no divã, lamentando o estado anímico do mundo. O candidato alertou que metade do planeta “não está feliz”. “Há 8 mil milhões de pessoas no mundo. 4 estão felizes, 4 estão infelizes”, defendeu.
O candidato quer que o MPT possa “ajudar” a mudar este cenário, realçando que “os mais vulneráveis sofrem [mais]”, passando, logo de seguida, uma mensagem para a necessidade de “integração” de imigrantes que chegam a Portugal e à Europa. “O ser humano está cada vez mais desintegrado”, reforçou.
O tema da guerra na Ucrânia dominou parte (significativa) do debate, e também Manuel Correia deu a sua opinião, para apoiar uma “aposta na diplomacia” entre as partes envolvidas. “A paz” e a “felicidade” mantiveram-se omnipresentes em cada das suas intervenções.
Márcia Henriques – RIR – Reagir, Incluir e Reciclar: a inconfidência sobre a embaixadora ucraniana
A presidente do RIR defendeu com “unhas e dentes” o compromisso com o projeto da UE. Assumiu ser “a favor de uma Constituição europeia” – o que deixou “chocada” Ossanda Liber – e recordou a importância dos fundos europeus que permitiram o progesso do País. “O simples facto de irmos à casa de banho e tocarmos no autoclismo (…) é graças à UE”, afirmou.
Márcia Henriques considera ainda que “é inevitável que a ajuda à Ucrânia passe mais à prática”, não descartando o envio de tropas (portuguesas e europeias) para a guerra. Ainda assim, numa das tiradas da noite, a candidata confidenciou ter-se reunido, naquela manhã, com a embaixadora da Ucrânia em Portugal, que lhe disse que “a guerra [na Ucrânia] não está assim tão grave, como passa nos telejornais”. A declaração gerou espanto ao próprio Carlos Daniel.
Pedro Ladeira – Nós, Cidadãos: os filhos dos padres para resolver a crise demográfica
Pedro Ladeira, do Nós, Cidadãos, foi uma das surpresas da noite. O candidato “do único partido feito de cidadãos”, assim descreveu, introduziu uma nova (e surpreendente) solução para travar o que designa como “suicídio demográfico” na Europa: o fim do celibato na Igreja Católica. O candidato focou-se (muito) no assunto. “Cristo teve um pai e uma mãe”, argumentou, completando que reuniu “com alguns padres que têm total abertura para o matrimónio”.
Ladeira começou por apresentar uma ambiciosa fórmula para resolver “o principal problema dos europeus”, que considera ser o da “habitação acessível”. O candidato do Nós, Cidadãos aposta na construção de dez milhões de apartamentos T3, num projeto que, segundo as suas contas, custaria €500 mil milhões.
Seguiu-se uma lista de posições contracorrente e antisistema. Afirmou ter “esperança” em ver nascer uma Europa alargada, que também conta com a Rússia. Considerou que a guerra está, hoje, “em banho maria”, apontando o dedo ao papel de Ursula Von der Leyen em tudo o que está a ocorrer de mal no Velho Continente: “Esta senhora que lá está [na Comissão Europeia] é uma incompetente”. E questionou “porque é que só depois da fraudemia é que veio a guerra?”.
A fechar, Pedro Ladeira defendeu que a imigração na Europa deve respeitar critérios de “compatibilidade linguísticas e religiosas”, temendo que “os muçulmanos tomem conta da Europa”.
Gil Garcia – MAS: A guerra “só interessa aos Estados Unidos da América
O cabeça de lista do Movimento Alternativa Socialista (MAS), criticou o que considera ser uma Europa “direcionada para a guerra” e que “não nivela por cima os salários”, destacando como principal proposta do partido nesta campanha a criação de um “salário mínimo europeu de €1.300”. Gil Garcia aponta o dedo “aos donos disto tudo”, considerando que as grandes fortunas continuam a “não distribuir corretamente” a riqueza produzida.
O líder do MAS teme que desta guerra nasça “outra guerra”, que possa “desvastar a Europa”, a exemplo do que aconteceu nas Grandes Guerras. “A paz só se alcança aprofundando as relações políticas e diplomáticas” e não “a dar mais armas para prolongar a guerra”, refere. Garcia acusa de estar ser “uma estratégia” que “só interessa aos Estados Unidos da América”.
Numa tirada sobre o funcionamento do Parlamento Europeu, o candidato anunciou que quer “reduzir para metade o salário dos deputados europeus”. “Populismo” ouviu-se, em surdina, dito por um dos presentes.
Joana Amaral Dias – ADN: a UE “está a empurrar o mundo para a Terceira Guerra Mundial”
A mediática candidata do Alternativa Democrática Nacional (ADN) fala de uma Europa “desigual” em que “apenas os grandes tubarões brancos têm voz”. Criticou a generalidade dos organismos europeus, mantendo a tónica das acusações contra “as elites não eleitas”, incluindo na lista a Comissão Europeia e Ursula Von der Leyen, que considera estar a ceder a “todos os lóbis”, desde logo ao “armamentista, das armas, dos criminosos”, e “a empurrar o mundo para uma Terceira Grande Guerra Mundial”.
A cabeça de lista do ADN afirma que, “perante quatro potências mundiais, 2024 pode ser o último ano” e que, por isso, “o único caminho é a paz”. Citou também o Die Welt para afirmar que, “em fevereiro de 2022, existia um acordo entre Putin e Zelensky” e que “foi mandado ao charco pelos criminosos” de guerra.
Joana Amaral Dias propõe-se a devolver o “poder ao povo”, criticando esta Europa que, diz, “se constitui contra as liberdades, direitos e garantias”, dando como exemplo a intenção de se “pôr fim ao dinheiro físico”. Quer, também, combater “as máfias que se dedicam à imigração”.
Ossanda Liber – Nova Direita: “Eu acordo diariamente para defender Portugal”
Ossanda Liber, do partido Nova Direita, reconhece que o espaço europeu “é importante para Portugal”, não coloca em causa a sua permanência na UE, mas quer que o País se mantenha “soberano”, rejeitando a lógica de “uma Europa federalista” – chegou a acusar a colega Márcia Henriques de “querer acabar com Portugal”.
Acusada de representar um partido de extrema-direita, Ossanda Liber “rejeita” essa conotação, posicionando o Nova Direita como um partido patriota. “Eu acordo diariamente para defender este país”, disse.
No tema da guerra, considerou que a “aposta no diálogo com a Rússia” é o único caminho para a paz, uma vez que considera que a guerra não se vai resolver no campo de batalha. Ainda assim, defende que Portugal deve “desenvolver a sua indústria de armamento” como forma de “disuadir” eventuais ataques presentes e futuros.
Rui Fonseca e Castro – Ergue-te: “Se houver alguma tentativa de enviar os meus filhos para a guerra, eu começo uma guerra em Portugal”
Já se esperavam frases fortes do ex-juiz Rui Fonseca e Castro neste debate. Mas o cabeça de lista do Ergue-te conseguiu surpreender: “Se houver alguma tentativa de enviar os meus filhos para a guerra, eu começo uma guerra em Portugal”, declarou.
O candidato considera que “a UE não vai sobreviver” à guerra na Ucrânia, e que Portugal “tem de aprender a viver sozinho”. Muito ao seu estilo, falou de uma “elite parasitária internacional” que domina a UE, lamentando que a estratégia da NATO para a guerra Ucrânia-Rússia esteja a “exaurir financeiramente a Europa”.
Apoiado nas habituais teorias da conspiração (nunca fundamentadas), manteve os judeus na mira, deixando frases soltas que o colega de painel, Duarte Costa (Volt Portugal) classificou como sendo “anti-semitas”.
Fiel às ideias da extrema-direita, Rui Fonseca e Castro referiu que “rejeita” a imigração “extraeuropeia” na UE e insistiu no argumento comprovadamente falso (e já, por diversas vezes, esclarecido, como sublinhou o moderador Carlos Daniel) de que existirem 400 milhões de euros dedicado à ideologia de género, inscritos no Orçamento do Estado para 2024. Outro argumento não comprovado, é o facto de a homossexualidade “ser promovida”, através de livros, nas escolas públicas – outra teoria habitual, igualmente fácil de mostrar ser errada.