“Ainda não é percetível no mercado, porque é um processo relativamente recente, mas é muito provável que venha a ter reflexos muito grandes, porque o preço das peças [automóveis] tem aumentado muito e as peças são uma parte importante do custo da manutenção”, afirmou o secretário-geral da Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel (ANECRA) em entrevista à agência Lusa.
Segundo Roberto Gaspar, “ainda neste segundo semestre o consumidor vai começar a sentir esse aumento”, que, contudo, “é difícil prever [de] quanto [será], porque depende da evolução do custo de muitos dos componentes”.
O dirigente associativo nota que o incremento de custos “não se reflete, ainda, nos valores da mão-de-obra da reparação automóvel — cujo “muito baixo preço” diz ser, aliás, “um problema estrutural do mercado em Portugal” — mas salienta que já é notório nas peças, “muitas delas importadas e com componentes cujo preço tem subido muito, como o cobre”.
Ainda assim, a atual desregulação do mercado automóvel — desencadeada pela escassez de semicondutores desde a retoma pós-pandemia e, mais recentemente, pela falta de algumas matérias-primas devido à guerra na Ucrânia e à quebra de certas cadeias de abastecimento — é sobretudo notória na escassez de veículos novos que saem das fábricas.
Esta escassez da oferta face à procura levou à subida de preços, tendo o valor dos carros novos “disparado” nos últimos tempos, num contexto em que alguns concessionários automóveis têm “carteiras de encomendas enormes, de mais de um ano”.
“A consequência mais imediata da falta de carros é que os preços dispararam. De uma forma histórica, os fabricantes sempre produziram muito mais do que as necessidades do mercado, o que os obrigava a fazer promoções, campanhas e descontos enormes”, referiu Roberto Gaspar.
Segundo explica, “o atual encarecimento resulta, sobretudo, do corte total desses descontos, nomeadamente nas compras de gestoras de frotas, que tinham descontos enormes pelas quantidades compradas e, agora, pura e simplesmente os fabricantes não fazem qualquer tipo de desconto”.
Outra das atuais “distorções” do mercado automóvel é, segundo o secretário-geral da ANECRA, o “desfasamento da oferta”: “Como há dificuldade de produção de carros, os fabricantes estão a fabricar automóveis onde têm margens superiores, que são os segmentos médio/alto e alto. Por isso é que assistimos a uma subida das vendas das marcas ‘premium’ e, também, dos [veículos] elétricos, embora neste último caso seja também pela obrigatoriedade de os fabricantes atingirem determinadas quotas de emissões”, referiu.
Como resultado deste ‘desfasamento’, há atualmente “uma oferta muito grande de híbridos e de elétricos e uma oferta muito pequena dos segmentos médio/baixo e baixo”, verificando-se uma “escassez enorme destes carros no mercado, o que, de certa forma, distorce os resultados” das vendas, enfatizou.
Assim, os dados da Associação Automóvel de Portugal (ACAP) apontam que, nos primeiros oito meses do ano, até agosto, o mercado automóvel regista uma quebra acumulada de 2,8%, sendo que, face a igual período de 2019, último ano antes da pandemia, o volume de vendas é inferior em 36,3%.
De acordo com Roberto Gaspar, “ainda não há sinais de uma normalização a breve prazo”.
“As previsões dos fabricantes automóveis eram que, no segundo semestre deste ano, as coisas tendessem a começar a normalizar e estivessem completamente estabilizadas no primeiro trimestre do próximo ano. Mas, com a introdução do fator guerra e de algumas quebras na cadeia de algumas matérias-primas que são determinantes para os carros, hoje em dia estamos a falar de uma equação mais difícil de prever”, admitiu.
Segundo precisou, “há, nesta altura, falta de aço e de outros elementos que são utilizados nos carros, nomeadamente nos carros eletrificados, e isso faz com que haja dificuldade e indefinição sobre quando é que a situação tenderá a estabilizar”.
“Já ouvi vários ‘players’ internacionais a apontar que dificilmente a situação poderá estar normalizada antes do último semestre do próximo ano”, disse, detalhando que, em Portugal, “as previsões apontam para que 2022 fique mais ou menos ao nível de 2021”, o que significa vendas cerca de 30% abaixo de 2019.
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