“Não há real, não há imaginário senão a uma certa distância. O que acontece quando esta distância, inclusive a distância entre o real e o imaginário, tende a abolir-se, a reabsorver-se em benefício exclusivo do modelo?” Poderemos estar bem mais perto de conhecer a resposta a esta questão colocada por Jean Baudrillard em Simulacros e Simulação. Quatro décadas depois da publicação deste tratado do sociólogo francês, as grandes tecnológicas mundiais começam a fazer esforços e investimentos gigantescos para desenvolverem as ferramentas que nos irão permitir socializar, conviver e trabalhar em simultâneo no mundo real e em universos virtuais. Essa aspiração de construir um metaverso – um universo virtual além do nosso universo real – não é nova. Mas este pode muito bem ser o momento big bang da próxima revolução no espaço cibernético com potencial para revolucionar as nossas vidas, até porque metade das 12 empresas mais valiosas do mundo tem planos e vai canalizar investimento para se tornar essencial na construção de metaversos.
Talvez, até agora, poucos o tenham feito de forma tão explícita como Mark Zuckerberg. O líder do Facebook mostrou, no passado mês de outubro, num vídeo de mais uma hora, qual era a sua visão para o futuro: “A próxima plataforma será ainda mais imersiva, uma internet incorporada em que tu és a experiência, não olhando apenas para ela, e chamámos a isso o metaverso. Irás conseguir fazer quase tudo o que puderes imaginar, estar com amigos e família, trabalhar, aprender, jogar, comprar e criar.” Para mostrar que esta é mesmo uma aposta séria, o criador da maior rede social do mundo anunciou também a mudança do nome da empresa que fundou, passando de Facebook para Meta. O termo escolhido por Zuckerberg para este novo mundo foi usado pela primeira vez há 30 anos no livro de ficção científica Snow Crash, de Neal Stephenson. Nessa narrativa – passada numa América distópica, destruída por uma crise económica causada pela hiperinflação e em que a sociedade e a economia eram controladas por gigantes empresariais em vez do Estado –, as pessoas refugiavam-se no metaverso, bastando para isso colocar óculos de realidade virtual para entrarem num universo paralelo e digital em que tinham os seus avatares em forma 3D. “O conceito que aí é apresentado tem muitas semelhanças com o significado que atualmente se associa a este termo”, observa Luís Gonzaga Magalhães, professor no Departamento de Sistemas de Informação da Universidade do Minho, à VISÃO.
Um universo de possibilidades
Praticamente todas as grandes áreas da nossa vida poderão ser vividas, pelo menos parcialmente, neste novo mundo digital
Videojogos
A indústria de videojogos tem sido precursora no desenvolvimento de metaversos e está no pelotão da frente na construção de mundos virtuais e/ou de realidade aumentada que permitam uma experiência mais imersiva e real aos jogadores.
Trabalho
A pandemia forçou uma parte significativa da população a ficar em teletrabalho. As limitações sentidas com o trabalho remoto poderão ser compensadas com a evolução do metaverso, permitindo criar escritórios virtuais onde se pode interagir com os colegas, ter reuniões e desempenhar as funções profissionais dentro desse novo mundo.
Social
O metaverso pode levar as experiências sociais a um novo patamar, permitindo reunir com amigos e conhecidos num universo virtual. Além de reduzir os constrangimentos de tempo e espaço com pessoas que já se conhecem, o metaverso poderá permitir a criação de círculos sociais paralelos. A perspetiva é que poderemos estar no metaverso com quem quisermos e quando quisermos, independentemente da distância e com novas formas de interação.
Economia
Na sua visão para o metaverso, Mark Zuckerberg espera que se transacionem centenas de milhares de milhões de euros nesse espaço. O comércio de bens e serviços digitais deverá ter um crescimento significativo nos próximos tempos, sejam roupas para os avatares, mobiliário digital para as casas do metaverso, espaços virtuais para deter nesse universo ou obras de arte digitais. Algumas empresas já estão a fazer alguns projetos-piloto para conseguirem ter presença e faturação no metaverso. Esta economia virtual poderá levar a uma maior massificação da utilização de criptomoedas nesses espaços e também de NFT (tokens não fungíveis) que atestam a originalidade e a propriedade dos bens digitais.
Saúde
A combinação entre a realidade virtual, realidade aumentada e internet das coisas pode trazer uma revolução aos cuidados de saúde, desde a formação médica até ao tratamento de pacientes e mesmo a cirurgias feitas de forma remota. A evolução tecnológica pode ajudar a mitigar algumas das limitações que a telemedicina atual enfrenta, como a falta de interação física entre profissionais e pacientes.
Cultura
Já foram feitas várias experiências de concertos ou outros espetáculos em universos virtuais. Com o metaverso essa tendência poderá intensificar-se, com concertos ou festivais virtuais. Também a nível da indústria cinematográfica, abrem-se novas portas para experiências mais imersivas e novas formas de contar histórias. Estas tecnologias podem ainda ser usadas na arte, com museus a terem exposições digitais ou a criarem os seus próprios metaversos para permitir um contacto mais próximo e interativo com obras de arte. Este novo mundo cria também a oportunidade para aparecerem artistas puramente digitais.
Educação
O metaverso e a realidade virtual prometem revolucionar as aprendizagens, permitindo fazer experiências imersivas que seriam difíceis de fazer fisicamente, seja a exploração virtual do Sistema Solar ou o “teletransporte” dos alunos para ver in loco a construção das pirâmides do Egito. Poderão também permitir aulas em espaços virtuais com professores e colegas de outras partes do mundo.