Dois anos para contratualizar (até 2023) e cinco anos para executar (até 2026). São prazos apertados que Portugal tem de assegurar cumprir se quer tirar o maior benefício dos 16,6 mil milhões da bazuca europeia, doa quais cerca e 14 mil milhões serão subvenções. Portugal foi dos primeiros a entregar a primeira versão do seu Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a Bruxelas, a 15 de outubro do ano passado, mas o plano definitivo só foi entregue em finais de abril.
E se tudo apontava para que em finais de junho, antes de terminar a presidência portuguesa da União Europeia, pudessem ser aprovados os primeiros pacotes de financiamentos (1,8 mil milhões em subvenções e 350 milhões em empréstimos) à retoma da economia pós-covid, vários obstáculos vão surgindo e complicando o calendário, atirando esse horizonte mais para o final do Verão. A Comissão Europeia atrasa-se na avaliação dos PRR de cada estado-membro e há também alguns países (Paises Baixos, Polónia e Hungria) que ainda não ratificaram o Fundo de Recuperação, impedindo a libertação de verbas e o financiamento da EU nos mercados.
Mas a partir do momento em que o dinheiro chegue a Portugal há outra via-sacra a percorrer até que o dinheiro comece a chegar ao terreno e aos empresários. Estes desde logo se queixaram da pouca verba (4,6 mil milhões) destinada à iniciativa empresarial privada. Mesmo assim, terão de chegar a ela rapidamente e em contrarrelógio, para que tenha tempo para ser executada.
O governo já definiu o modelo de gestão de fundos, pretendendo que fosse de “governação ágil, eficaz e transparente”. Será que conseguiu? Há níveis de governação distribuídas por quatro estruturas, mas cujas funções não são, por vezes assim tão claras. Há toda uma máquina operacional que envolve dezenas de pessoas da administração pública por montar. E há termos que deixam os empresários mais confusos pela sua indefinição.
Como por exemplo, “centralização da gestão e descentralização da execução” ou quando se fala da contratualização com “beneficiários diretos ou intermediários e entre estes últimos e os respetivos beneficiários finais”. Uma cadeia que se teme possa ficar enredada nas burocracias habituais e faça desesperar quem se quer candidatar.
A VISÃO pediu à Associação Empresarial de Portugal (AEP) uma apreciação ao decreto-lei que estabelece os modelos de gestão dos fundos, que desde logo pede que, atendendo ao prazo curto para a sua execução, se “assegure um grau de simplicidade e elevada celeridade no processo de tramitação”.
Mas, logo à cabeça, o diploma estabelece como principio geral “a centralização da gestão e descentralização da execução, dando prioridade à contratualização dos financiamentos com beneficiários diretamente responsáveis pela execução das reformas e dos investimentos (…) sem prejuízo da intermediação por beneficiários que assumam essa função, apoiando entidades terceiras, nas situações aconselháveis”.
O que significa isto? A AEP tem dúvidas, assim como quanto às diversas definições dos “tipos de beneficiários”. Esta associação empresarial “assinala a existência de muitos indefinições, com destaque para os critérios objetivos que presidem à escolha dos beneficiários e que, desejavelmente, maximizem os impactos na economia portuguesa, e para a forma como as empresas e outras entidades podem aceder ao PRR, nomeadamente se tal se processa de modo contínuo”.
A este propósito, a AEP reafirma “a necessidade de, na execução dos investimentos públicos financiados pelo PRR, o setor público privilegiar a aquisição de bens e serviços a empresas instaladas em território nacional”. Só assim, no seu entender, contribuirá para a recuperação económica e social, pois se houver contratos de obras a serem adjudicadas a empresas estrangeiras, o dinheiro voltará a sair de Portugal.
“Para tal, as compras públicas devem usar critérios que privilegiem o grau de incorporação nacional e a menor pegada ambiental”, pois “um bem produzido em Portugal tem uma menor pegada ecológica, desde logo relacionada com o transporte”. Só assim se cumprirá que chegue ás empresas os “11 mil milhões de euros em infraestruturas, equipamentos, projetos de digitalização, entre outros, contratualizados com o nosso tecido empresarial”, alerta.
Quem é quem e faz o quê?
De acordo com o decreto lei que estabelece o modelo de gestão dos fundos, há quatro níveis de governação:
Comissão Interministerial – António Costa
Tem a seu cargo a coordenação política. Presidida pelo Primeiro Ministro, integra ainda “os membros do Governo responsáveis pelas áreas de Economia, da transição digital, dos negócios estrangeiros, da presidência, das finanças, do planeamento, do ambiente e da ação climática”. Além de aprovar o PRR e definir a sua estratégia global, compete a esta Comissão “aprovar as propostas de revisão dos investimentos e das reformas” e dar o ok aos relatórios semestrais e anuais da Estrutura de Missão.
CNA – Comissão Nacional de Acompanhamento – António Costa e Silva
Tem a competência de acompanhar os processos, a sua execução e propor recomendações de melhoria para a sua concretização. Reúne duas vezes por ano. Integrará nove personalidades designadas pela Comissão Interministerial, os membros não governamentais do Conselho de Concertação Territorial, o presidente do Conselho Económico e Social, os membros não governamentais da Comissão Permanente de Concertação Social, bem como um representante de cada uma das seguintes instituições: Conselho de Reitores da Universidades Portuguesas e dos Politécnicos, do conselho Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação, da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, da União das Misericórdias, das Mutualidades, do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e da Confederação Cooperativa Portuguesa. No total, serão mais de 30 pessoas, entre as quais a investigadora na área da Inteligência Artificial Manuela Veloso.
O próprio António Costa e Silva, engenheiro de minas, gestor da Partex e autor do Plano de Recuperação Económica e Social, que define a estratégia para Portugal na década 2020-30, já veio dizer que “o grande desafio” vai ser pôr esta comissão “a funcionar” e fazer dela “uma estrutura operacional” para “pôr o país a falar consigo próprio”. Está, por isso, a pensar como introduzir um modelo “flexível” e “inovador”, conforme adiantou ao diário digital Eco. A primeira sessão plenária deverá ser realizada em breve e os seus membros não terão qualquer remuneração, apenas lhes será atribuído o pagamento das senhas de presença e ajudas de custo pela participação nas reuniões.
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Estrutura de missão Recuperar Portugal – Fernando Alfaiate
A esta estrutura cabe a coordenação técnica e de monitorização e é quem tem a função primordial da gestão e controlo de todo o circuito dos milhares de milhões que vão chegando: estabelece os contratos, emite as ordens de pagamento, coordena a execução dos investimentos, estabelece metas, prepara e submete à Comissão Europeia os pedidos de desembolsos dos financiamentos semestrais do PRR, previne e deteta irregularidades, adota medidas antifraude e avalia os resultados.
Terá ainda de articular toda esta gestão com Agência de Desenvolvimento e Coesão, I.P e com o Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério das Finanças. Bem como pôr a funcionar um Mecanismo de Informação e Transparência, que possibilite a consulta de informação individualizada sobre cada investimento financiado, durante toda a fase de execução até ao seu encerramento no PRR.
De acordo com o Observador, esta estrutura terá 60 colaboradores e um custo de funcionamento de 10 milhões de euros por ano, o que em seis anos (tempo previsto para a sua existência) poderá ultrapassar os 60 milhões.
Fernando Alfaiate, especialista em finanças e que há 15 anos trabalha com os fundos europeus oriundo do programa Compete, foi o escolhido. Terá como vice-presidente Mário Rui Silva, que durante vários anos foi auditor e inspetor na Inspeção-Geral da Administração Local e do do Tribunal de Contas. Contará ainda com quatro coordenadores de equipas de projeto, um para chefiar a equipa de controlo interno e os restantes três para monitorizar o cumprimento das prioridades estabelecidas pelo PRR: resiliência, transição climática e transição digital.
CAC – Comissão de Auditoria e Controlo – um representante da Inspeção geral de Finanças
Servirá esta para supervisionar, por sua vez, o sistema de gestão e controlo interno da estrutura de missão de Fernando Alfaiate, garantindo que ela vai de facto prevenir e detetar irregularidades, impedir a duplicação de ajudas ou corrupção e fraude. Também lhe compete “emitir parecer prévio sobre pedidos de desembolso dos financiamentos semestrais”, realizar auditorias e colaborar com o Ministério Público, caso haja necessidade de prevenção criminal.
Será presidida por um representante da Inspeção Geral de Finanças e integrará um representante da Agência de Desenvolvimento e Coesão, I.P, bem como “uma personalidade com carreira de reconhecido mérito na área da auditoria e controlo, cooptada pelos restantes membros”. Também terão apenas direito ao pagamento das senhas de presença e ajudas de custo pela participação nas reuniões.