Dez anos depois do início da crise financeira, as empresas nacionais apresentam uma situação frágil e continuam muito endividadas. Mais de um quarto do total podem mesmo estar moribundas. Em 2012, no auge da crise, era ainda pior. Essas empresas, designadas por zombies, poderão ter sido quase um terço do total. A conclusão é do livro “Investimento empresarial e crescimento da economia portuguesa”, cuja apresentação está prevista para sexta-feira, 15, na cidade de Braga.
Patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian, a obra foi coordenada pelo economista Fernando Alexandre e contou com a colaboração de Pedro Bação, Carlos Carreira, João Cerejeira, Gilberto Loureiro, António Martins e Miguel Portela, todos eles docentes dos departamentos de Economia das Universidades do Minho ou de Coimbra.
De acordo com a definição dos autores, as empresas zombies apresentam uma situação financeira débil, estão fortemente dependentes dos bancos e mostram-se incapazes de cumprirem com as suas obrigações financeiras. Contudo, mantêm-se em atividade porque é do interesse dos bancos “assumirem uma política de tolerância” para “não terem de registar imparidades com empréstimos incobráveis”. Mais: Esta espécie de subsidiação às empresas incumpridoras serve mesmo ”um propósito de camuflagem de eventuais perdas para os bancos”.
Muitas vezes, os bancos continuam a dar crédito às empresas insolventes para as ajudarem a pagar os juros e a amortizar os empréstimos bancários mais antigos. É uma estratégia vantajosa para ambas as partes: os bancos evitam a constituição de mais provisões e as empresas zombies adiam a falência. Mas o “prolongamento artificial” da vida destas empresas, por parte dos bancos, tem os seus custos, criando “um obstáculo adicional à alteração estrutural da economia e ao aumento do seu potencial de crescimento”.
O livro mostra também como o setor financeiro “teve e tem um problema na afetação do crédito”, que tem sido sonegado aos setores e às empresas mais dinâmicas capazes de gerarem uma transformação estrutural da economia. E se o crédito disponível “não está ao serviço das melhores oportunidades de crescimento das empresas do País”, isso é ”concorrência desleal”, segundo afirmou Fernando Alexandre à VISÃO.
Retrato dos zombies
O ano de 2012 foi o que registou a maior incidência de empresas zombies – 36% do total das existentes em Portugal, concentradas na Madeira, Algarve e Grande Lisboa. A boa notícia é que em 2015 (último ano para o qual há dados do Sistema de Contas Integradas das Empresas do INE), o número de empresas moribundas diminuiu para 26% do total, com a maior percentagem a verificar-se na Madeira (34,1% do total) e Açores (25,4%).
Por setor de atividade, em 2012 o fenómeno atingia 52 por cento das empresas de alojamento e restauração, valor que caiu para 40% em 2015, logo seguidas do comércio e da indústria transformadora com 24% e 23% respetivamente. Neste último ano, as empresas zombies tinham um peso de praticamente 15% no emprego total e de 10% no endividamento empresarial. A maior incidência de zombies (26.7% do total) verificava-se entre as microempresas (entre 1 e 9 trabalhadores).
Hoje, quando o pior da crise já faz parte do passado, Fernando Alexandre, é taxativo: “Devíamos ser mais duros com as empresas zombies. Se não têm um projeto viável, são um problema que os bancos têm de resolver. Como? Matando-as mais depressa, já que morrerão de qualquer maneira.”
O académico e ex-governante admite que teria sido complicado “matar” tantas empresas quando o desemprego atingia taxas de 16% e 17%, mas agora terá chegado o momento de resolver o problema. O desemprego desceu para 8% “e as empresas ”têm dificuldades em contratar mão-de-obra”. O Estado deveria “apertar” as regras da insolvência e o Banco de Portugal deveria, por um lado, obrigar os bancos a reforçarem as provisões e, por outro, a fazerem uma análise mais cuidada da viabilidade dos projetos financiados. Só assim se poderia resolver uma fonte de ineficiência e libertar crédito para as empresas capazes de alterar a estrutura da economia. “É a lei dos mais fortes a funcionar”, diz ainda Fernando Alexandre.