Imagine que em sua casa, a operadora de Internet decide abrandar a velocidade de utilização do Google, em favor de outro motor de busca como o Bing ou o Yahoo!. Ou até decide mesmo bloquear determinados conteúdos. Outro exemplo, imagine que os emails chegam menos rápido ao destino que transferências bancárias.
Hoje, a net é neutra e é regulada pelo princípio de não discriminação na rede. Mas tudo pode mudar a partir de 18 de maio. Nos EUA, sede das gigantes tecnológicas, o congresso vai votar uma proposta republicana para acabar com a neutralidade da rede e, assim, permitir que as operadoras do país interfiram no tráfego online e até no nível de acesso à rede.
Caso seja aprovada, num Congresso de maioria republicana, representa um volte face à lei adoptada em 2015 pela administração Obama. Na altura, o regulador das telecomunicações e radiodifusão norte-americano (FCC) deu ‘luz verde’ a um pacote legislativo que ficou conhecido como “neutralidade na rede”. “A internet é uma plataforma demasiado poderosa e universal do planeta. É demasiado importante para ficar sem regras e sem ‘um árbitro no campo”, disse Tom Wheeler, então presidente da FCC.
Quase 90% dos norte-americanos utiliza internet. A sua utilização é paga e devidamente regulada, mas o preço pode aumentar e deixar de ser controlado após a votação da próxima semana. Além disso, as operadoras ficam com poder para escolher que conteúdos são transferidos, a que velocidade circulam ou até podem bloquear fornecedores de conteúdos rivais. O novo presidente da FCC, Ajit Pai, nomeado por Donald Trump, é um dos principais defensores desta iniciativa legislativa.
A passagem da nova lei abriria também um precedente, com possíveis réplicas deste lado do Atlântico – onde cerca de 80% dos europeus usa internet. Em outubro de 2015, a União Europeia aprovou um conjunto de regras para aplicar também a neutralidade da rede em todos os estados-membros. Por exemplo, o Skype chegou a ser bloqueado em alguns países, pois o seu uso é gratuito, o que não gera receitas para as empresas de telecomunicações. O regulador de telecomunicações da Europa (BEREC), com o objetivo de acabar este tipo de condicionamento, impôs um conjunto de regras para fornecer o livre acesso e distribuição de conteúdos sem qualquer limitação por parte dos reguladores nacionais. A lei entrou em vigor a 30 de abril de 2016.
“Acreditamos que o mundo digital deve respeitar os mesmos valores e direitos que temos no mundo físico. Também acreditamos que a Europa tem potencial para ser uma peça fundamental nestes assuntos, mesmo que as decisões importantes sejam tomadas noutro lado”, referiu no mês passado Jésus Villasante, responsável da Comissão Europeia.
Quem apoia a neutralidade de rede?
Alguns fornecedores de conteúdo como a Netflix, a Apple ou a Google consideram que os utilizadores já pagam pela conectividade e, por isso, merecem acesso a uma experiência de qualidade. O site “Battle For the Net” foi criado entretanto para recolher os protestos face à nova proposta, que serão depois enviados para a FCC.
O fim da ‘neutralidade na net’ é também interpretado como um combate à liberdade de expressão, já que as operadoras escolhem que conteúdos querem transmitir, sem poder de decisão dos clientes.
E quem está contra?
Nos EUA, as operadoras de telecomunicações como a AT&T, Comcast, Verizon e a Cox apoiam o novo pacote legislativo. Estas argumentam que as regras são demasiado rígidas e que impedem a inovação e investimento em melhores infraestruturas. A crescente evolução do mundo das telecomunicações é vista por alguns como uma oportunidade de desenvolvimento, algo que poderá não acontecer se as empresas não tiverem incentivos para tal.
Ajit Pai refere que as regras de 2015 foram estabelecidas com base em “danos hipotéticos e profecias histéricas de desgraça”, más para o negócio. “É economia simples. Quanto mais se regular algo, menos se recebe desse serviço. O que aconteceu depois da aprovação em 2015? O investimento caiu a pique”, disse.