Quando Theresa May invocar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa que aciona a saída do Reino Unido da União Europeia, Portugal quer estar preparado. “Antes do final de março de 2017”, garantiu a primeira-ministra britânica. Até lá, Portugal montou uma “task-force”, liderada pelo antigo embaixador em Londres João de Vallera, para garantir que todos os “interesses nacionais estarão acautelados”.
“Não vamos negociar antes da entrega do Artigo 50, mas podemos conversar”, diz à VISÃO Margarida Marques, secretária de Estado dos Assuntos Europeus que esta semana reuniu em Londres com o seu homólogo à margem da visita oficial do Presidente Marcelo à capital. A ideia de que alguns Estados-membros podem estar a negociar de forma bilateral com o Reino Unido levou recentemente a um aviso do ministro dos Negócios Estrangeiros: “a negociação deve ser multilateral e, portanto, que não haja nenhuma espécie de negociação informal, bilateral, à margem do Conselho Europeu nas duas diferentes formações”, argumentou Santos Silva.
Esta task force criada agora serve para perceber quais são os “interesses nacionais defensivos, ofensivos e estratégicos” que se jogam no Brexit. A ideia é saber que interesses lusos podem “conflituar” com as aspirações do Reino Unido, os que até podem ser “bons e traduzir-se numa oportunidade” e aqueles que “sem um acordo podem ficar em risco”, explica Margarida Marques.
Para já, houve duas reuniões de uma comissão interministerial, onde tem assento o ministro da Ciência, o ministro da Economia e a secretária de Estado do Turismo, a ministra da Administração Interna ou o secretário de Estado do Emprego, entre outros. Há também um subgrupo de técnicos para pontos mais específicos. E contributos dos parceiros sociais: “Pedimos-lhes um memorando sobre o que podem ser os impactos do Brexit nos respetivos setores”, adianta Margarida Marques. João Machado, da Confederação dos Agricultores Portugueses diz, no entanto, à VISÃO, que está a revelar-se “muito difícil esse trabalho, porque não sabemos como Inglaterra vai negociar a saída”. “A nossa preocupação são as exportações de bens agroalimentares para Inglaterra, nomeadamente o vinho. Não sabemos como vão evoluir as tarifas, mas é possível que aumentem, o que nos preocupa”, diz o líder da CAP.
Cada ministério recebeu nos últimos dias um questionário sobre os vários temas das negociações. Foi-lhes pedido que identifiquem o quadro de políticas comuns, os projetos e ações que tem com o Reino Unido, as iniciativas conjuntas ou os projetos de intercâmbio.
Três fases a negociar
Margarida Marques aponta três fases essenciais no Brexit. A primeira é exatamente o momento da separação: “precisamos perceber o que acontece com os ativos e passivos e aqui estou a pensar ao nível do Banco Europeu de Investimento, por exemplo, mas também o que acontecerá com o estatuto dos residentes legais, sabendo-se que Portugal tem uma grande comunidade a viver no Reino Unido e que também temos cá muitos britânicos”.
Quanto ao momento da transição, o importante é saber se o governo de Theresa May vai optar por um “hard Brexit ou um soft Brexit”, o que traduzido passa por saber se durante a transição quererá algum estatuto diferenciador dos restantes Estados-membros ou se continuará a cumprir todos os seus deveres até à data da saída efetiva da União Europeia.
Com o “hard Brexit”, o país sairá do mercado interno, ficando essas relações ao abrigo das regras gerais do comércio determinadas pela Organização Mundial do Comércio, embora Margarida Marques lembre que o Reino Unido pode querer “um acordo de comércio livre reforçado”. Se a escolha for por um “soft Brexit”, o Reino Unido garante o acesso ao mercado interno, salvaguardando pontos importantes no plano financeiro e económico, desde logo a participação do país nos programas de investigação. A questão é que, tal como já reforçou o ministro Santos Silva, não é possível “fatiar” a relação com o Reino Unido. E para que os Estados-membros aceitem a permanência dos britânicos no mercado interno, terão que ser cumpridas as quatro liberdades fundamentais, onde se inclui a liberdade de circulação de pessoas e trabalhadores, um dos pontos que mais contribuiu para a vitória do Brexit.
João de Vallera é o homem escolhido para responder a todas as questões que se irão colocar na agenda portuguesa. “É um conhecedor profundo da UE e do Reino Unido”, explica a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, lembrando que Vallera foi o último embaixador português na capital britânica, tendo ocupado o cargo na Irlanda do Norte em 1998, na Alemanha de 2002 a 2006 e depois nos Estados Unidos da América. Pelo meio esteve oito anos na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) e foi diretor Geral dos Assuntos Europeus, em Lisboa.
(Artigo publicado na VISÃO 1237, de 17 de novembro)