Os autodenominados lesados do Deutsche Bank (DB) preparam-se para iniciar um processo negocial com a filial portuguesa do banco alemão. A estratégia é tentar reaver o máximo possível dos valores perdidos no investimento feito em produtos derivados financeiros assentes nas obrigações da PT e, só em último caso, avançar para os tribunais, como anteriormente chegaram a anunciar.
A ideia é contornar a morosidade dos tribunais, que raramente é célere a tratar de questões que têm por base produtos financeiros altamente complexos, e cuja responsabilidade legal é difícil de apurar. Sobretudo quando os clientes lesados assinaram papéis que enfraquecem a sua posição perante o poder judicial e o produto vendido a pequenos aforradores teve a devida aprovação formal da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
A informação foi avançada à VISÃO por Paulo Gomes, engenheiro civil, que avançou com a constituição da Associação de Lesados do DB, que reúne mais de cem pequenos aforradores. O processo negocial está agora a ser estudado pelo escritório de advogados Macedo Vitorino & Associados, que irá muito brevemente pedir uma reunião com os responsáveis da filial portuguesa, mas que não quis, por enquanto, comentar o assunto.
Pense duas vezes antes de assinar
A questão é sempre a mesma e já se passou com o BPN, BPP e BES. Mas, a avaliar pelo que se está a passar novamente com os clientes do Deutsche Bank, nem as instituições financeiras desistem de vender nos seus balcões produtos derivados altamente complexos, prometendo um retorno de capital garantido sem explicar devidamente o grau de risco, nem os pequenos aforradores estão ainda suficientemente alertados para pensar duas vezes, e ler muitas mais, antes de assinar os contratos. No final, se a coisa corre mal, sentem-se enganados, mas a culpa pode ser difícil de apurar.
Neste caso, o Deutsche Bank criou um produto derivado que alegadamente vendeu como sendo de capital garantido, mas não era. E com uma taxa de juro variável, num contexto em que as taxas de juro estão constantemente a descer, sem que sejam compreensíveis os fatores subjacente à formação dessa mesma taxa de juro. Nalguns casos, alegam os queixosos, nem os gestores de conta sabem explicar, de tal forma “a linguagem é incompreensível”.
Por ultimo, o que o Deutsch Bank fez foi criar um produto derivado das obrigações da PT, colocadas em investidores institucionais. Se cada obrigação da PT tinha um valor nominal de €100 mil, o banco alemão fez um desdobramento em pedacinhos de mil euros cada. Com isto, passou a poder colocar dívida da PT junto de pequenos aforradores, que ali aplicaram, por exemplo, 5 e dez mil euros.
“Uns acreditaram porque era o DB e confiavam no seu gestor de conta. Outros, porque era a PT, uma grande empresa”, conta o líder da associação de lesados. Ou seja, apanharam as pequenas poupanças, num público conservador e, nalguns casos, pouco esclarecido. “Há mesmo pessoas que o banco incentivou a fazerem um empréstimo para este investimento, supostamente de capital garantido. No fim, não só perderam o investimento feito, como ficaram com uma dívida ao banco.”
“Não há quem ponha um fim nisto?”
O problema é que, mais uma vez, o diabo está nos detalhes. E os pormenores que apontam para um risco estão em letras pequeninas, com linguagens cifradas, que os investidores são levados a assinar como se de uma mera formalidade se tratasse. Neste caso, houve uma fusão da PT com a Ói, e esta passou a substituir aquela. Os institucionais foram avisados e tiveram tempo suficiente para optar pelo resgate. Mas os investidores do produto que tinha como ativo subjacente essas obrigações não foram avisados pelo banco alemão.
E quando a Ói abre falência, o DB liquida toda a operação, desfaz o derivado e os investidores receberam apenas 12% do valor nominal. É neste momento, que os lesados percebem que a Ói tinha substituído a PT. “Foi uma irregularidade grosseira, que levou a perdas superiores a 85%.” É que ninguém se lembrou de avisar que se a empresa falisse, haveria lugar a perdas.
Reduzir esta margem de perda levará, com certeza, a que haja cedências de parte a parte. Mas a via negocial apresenta-se, agora, como prioritária, para escapar à via-sacra que pode ser o caminho judicial.
António Vitorino, o advogado que está a estudar a situação de cada um, não quis ainda abrir o jogo. Mas um artigo que escreveu em Julho denunciava já algumas situações:
“Será que não se aprendeu nada com o caso BES e os casos anteriores que tanto custaram a milhares de investidores incautos? Até quando abusarão certos bancos da sua licença para tomar depósitos e aconselhar os seus clientes a investir?”, questiona, defendendo até que “deveria ser proibida” a venda de instrumentos financeiros complexos a clientes particulares e a pequenas e médias empresas.
Termina, falando especificamente nos investidores das obrigações PT/ÒI e nos derivados dessas obrigações: “espera-os correr o caminho das pedras e lutar pelos seus direitos junto dos reguladores e dos bancos faltosos que responderão: Uops! We did it again. Não há quem ponha um fim nisto?”