Enquanto um juiz, 14 procuradores do Ministério Público e mais de 200 inspetores iniciavam um mega raide que envolveu buscas a 34 domicílios e vários escritórios de pessoas ligadas ao Grupo Espírito Santo, na quinta-feira, 27 de novembro, no seu luxuoso escritório em Lausanne, Suíça, Etienne Alexandre Cadosch geria os seus negócios como habitualmente.
Por cá, os inspetores reuniram mais de cinco milhões de ficheiros relacionados com movimentos bancários, nomeadamente aqueles que foram feitos no período em que Ricardo Salgado já tinha sido proibido pelo Banco de Portugal de tomar decisões de gestão, antes de ser substituído na presidência do banco por Vítor Bento. Ao que foi apurado pelo Banco de Portugal, nesses quinze dias o BES terá perdido mais 1,245 mil milhões de euros. Através de operações “fraudulentas” que, segundo o banco central, tiveram a empresa suíça Eurofin como intermediária em muitos dos casos. Mas a dois mil quilómetros de distância, Alexandre Cadosch, presidente da Eurofin, alega nada ter a ver com estas operações que acabaram por arruinar o BES e muitos milhares de famílias portuguesas que tinham as suas poupanças aplicadas em ações do banco.
A contrariá-lo estão as investigações feitas até agora. Todas elas apontam a Eurofin como intermediária dos negócios ruinosos do BES. E não são só as das autoridades judiciais e de supervisão. Também as do jornal económico norte-americano Wall Street Journal acabaram nesta empresa financeira suíça, comandada pelo homem que tem relações de longa data com a família Espírito Santo.
Do BES para o GES
Segundo foi noticiado na altura, os gestores do GES engendraram um esquema complicado que passava pela emissão de obrigações a longo prazo, geralmente de 40 anos, com uma taxa de juro de 7% a 9%. Esses títulos eram colocados em outras entidades, que criavam novo “veículos” financeiros. Posteriormente, os clientes compravam ações desses “veículos”, geralmente com um rendimento que rondava os 4%. A diferença entre os juros ficava nas chamadas contrapartes. E, desta forma, permitiam liquidar dívidas das empresas do GES, ou “desviar” o dinheiro para outras entidades. Aliás, Carlos Tavares, presidente da CMVM, entidade que regula a bolsa, reconheceu na sessão parlamentar de inquérito ao BES que alguns dos destinatários finais destas verbas… “não se sabe quem são”. Sabe-se, porém, que a Eurofin era, de acordo com várias investigações feitas até agora, um dos intermediários destes negócios. E segundo a auditoria forense às contas do BES, ordenada pelo Banco de Portugal, foram identificados um conjunto de transações, efetuadas apenas através da Eurofin, que permitiram desviar 780 milhões de euros do BES para pagar dívidas de empresas do GES.
Segundo o Público noticiou nesta semana, o Banco de Portugal já enviou uma equipa à Suíça para investigar as relações entre o GES e a Eurofin. Supostamente, esta sociedade e os seus líderes nada têm a ver, do ponto de vista formal, com o GES. Mas olhando ao longo historial, de décadas, da ligação profissional de Alexandre Cadosch ao GES, existe uma proximidade indesmentível.
Em declarações à revista suíça Les Temps, Alexandre Cadosch demarca-se do escândalo Espírito Santo, afirmando ser mentira que alguma subsidiária do Grupo Eurofin “tenha colocado ou promovido produtos de investimento do GES ou de clientes do BES”. Além disso, reafirma, na mesma entrevista, que apenas mantém “uma relação profissional com os líderes do Grupo Espírito Santo”. Mas uma relação bem forte…
Primeiro, a Eurofin foi criada em 1999 e tinha o GES como principal acionista. Além disso Alexandre Cadosch pertenceu aos quadros da Gestar, uma empresa do universo Espírito Santo, entre 1990 e 1999, altura em que sai para fundar e liderar a Eurofin. A empresa começou por chamar-se Eurogestion & Partners… e tinha o GES como maior acionista. Só em 2010 é que alterou a designação para Eurofin, pouco depois do GES ter largado as suas participações na empresa. E antes, em 2008, Alexandre Cadosch tinha também estado envolvido em várias transações de fundos de investimento imobiliário do Grupo Espírito Santo, realizadas no estrangeiro.
Negócios em Portugal
Também em 2008, o grupo liderado por Ricardo Salgado decide vender as participações que tinha em várias empresas em Portugal, nomeadamente as Termas de Monfortinho, as Águas do Vimeiro e a Herdade da Poupa. Na altura da transação, a 30 de dezembro, o GES informou que a venda foi feita à “AA-Iberian Natural Resources & Tourism, um grupo de investidores institucionais internacionais”. Tal como a VISÃO noticiou em agosto, uma empresa que está ligada a… Alexandre Cadosch, através da EBD – Euro Biodiversidade e Desenvolvimento (uma sociedade que anteriormente se chamava Espírito Santo Health & SPA), e à qual o próprio Cadosch preside.
Além disso, a EBD tinha, pelo menos, um administrador em comum com o GES. Trata-se de Miguel Silveira Moreno. Na EBD, era vogal do conselho de administração, bem como das administrações das suas filiais Vimeiro e Monfortinho. Do lado do GES, era administrador da seguradora Tranquilidade, da Tranquilidade Vida e da Seguros Logo. E pertencia ainda à administração da Espírito Santo Contact Center.
Alexandre Cadosch tem ainda outros interesses em Portugal. É administrador da Templo, Gestão de Investimentos. Esta empresa tem como presidente do conselho de administração Francisco Murteira Nabo, antigo líder da PT na altura em que o maior acionista privado português da empresa de telecomunicações era o GES.
Mais arguidos
Após as buscas da semana passada, o Ministério Público decidiu constituir mais dois arguidos à já vasta lista de suspeitos no caso GES. Trata-se de Isabel Almeida, antiga diretora financeira do BES e de empresas da Rioforte, e de António Soares, administrador do BES Vida. Os dois gestores mantiveram-se em funções após a queda de Ricardo Salgado e passaram para os quadros do Novo Banco. A Procuradoria Geral da República fez questão de explicar, em comunicado, que a constituição dos dois arguidos não está relacionada com a sua atividade no Novo Banco.
Isabel Almeida foi também administradora da Aroundimpact, uma empresa constituída em 2011 pelo GES e que serviu para “tapar” um buraco resultante do negócio de venda da Escom. No final de 2010, a Rioforte Luxemburgo vendeu a Escom à Espírito Santo Resources, com sede nas Bahamas, negócio que foi apresentado como uma reestruturação interna. No dia seguinte, a Espírito Santo Resources vende a Escom à Newbrook International, empresa sediada no Panamá que, alegadamente, pertencia a empresários angolanos. Após o negócio, o GES ficou por receber cerca de 390 milhões de euros. A Rioforte fica sem o ativo e sem o dinheiro. Cria a Aroundimpact, uma empresa que apenas serviu para ficar com os créditos desse negócio. Assim, em vez de ter no balanço uma dívida incobrável passou a ter uma participação numa empresa que tinha ativos de cerca de 400 milhões de euros. Desta forma, os auditores não conseguiram detetar esse buraco no balanço. Na altura, Isabel Almeida ficou como gestora única da Aroundimpact.
António Soares, por sua vez, já tinha sido forçado a pedir a demissão de administrador da seguradora BES Vida pelo Instituto de Seguros de Portugal (ISP). Segundo esta instituição, o gestor tentou realizar uma operação de colocação de obrigações do BES no BES Vida, após o ISP ter proibido a exposição das seguradoras a ativos do banco do grupo, em julho deste ano.
“A ação acabou por não ser consumada. No mesmo dia em que pediu a autorização, [António Soares] realizou-a, mas como não obteve a autorização do ISP, a operação acabou por ser anulada, ou seja, não aconteceu”, disse José Almaça, presidente do ISP, na comissão parlamentar de inquérito ao BES. Almaça garantiu que foi o próprio António Soares a pedir a demissão após ter conhecido a decisão do ISP.
O número de arguidos deste caso GES poderá não ficar por aqui, até porque ainda faltam os resultados finais da auditoria forense que a consultora Deloitte está a fazer às contas do BES. Os resultados deverão ser conhecidos no final deste ano.