São cinco momentos mágicos em mais de cem anos de participações de Portugal em Jogos Olímpicos. E todas no atletismo e em apenas três provas (duas na maratona, duas no triplo salto e uma nos 10 mil metros). Três homens e duas mulheres no lugar mais alto do podium. Três medalhas ganhas na Ásia e duas na América – sempre com os fusos horários trocados com Portugal.
Tóquio, 5 de agosto de 2021
PEDRO PABLO PICHARDO VOA PARA A GLÓRIA
Na qualificação, dois dias antes, o atleta de origem cubana que representa oficialmente Portugal desde 2019 mostrou logo que era o saltador em melhor forma, ao voar 17,71 metros. E voltou a prová-lo na final, onde nunca deu sinais de fraqueza perante os seus adversários, intimidando-os até pela forma, descontraída mas intensa e sempre altamente concentrada com que liderou a prova desde o princípio até fim. Num estádio vazio de espectadores, Pichardo encheu a pista e a caixa de areia. Logo a abrir, o atleta tomou a dianteira com um salto de 17,61, marca que repetiu a seguir no segundo ensaio – e que mais nenhum outro atleta em prova conseguiu igualar. Ao terceiro ensaio, Pichardo deu o golpe de misericórdia no concurso, com 17,98 metros, estabelecendo um novo recorde de Portugal e demonstrando a todos os outros concorrentes que estava num dia imbatível. A expressão com um misto de desalento e de admiração do experiente americano Will Claye (medalha de prata em 2012 e 2016) ao ver Pichardo voar quase até aos 18 metros foi, com certeza, partilhada pelos outros saltadores: a medalha de ouro já estava atribuída, restava-lhes tentar ganhar a prata e o bronze. Foi isso que fizeram Yaming Zhu, da China (17,57m) e Fabrice Zango, do Burkina Faso – o primeiro atleta daquele país a ganhar uma medalha olímpica. Pichardo até prescindiu do quinto ensaio e fez um nulo no último. Depois da prova, fez questão de agradecer aos portugueses a forma como foi acolhido, depois de abandonar Cuba – onde as autoridades não permitiam que treinasse com o seu pai – e revelou que o seu plano era o de fazer um salto de 18,40 metros. “Era essa a marca que estávamos à espera. Mas durante o aquecimento comecei a sentir alguma dor, mas consegui fazer este salto e levar a vitória para o país. Quero dizer muito obrigado a todos, pela forma como me receberam desde o primeiro dia que cheguei a Portugal”, afirmou, no seu jeito sereno e algo tímido, mesmo depois de uma medalha histórica.
Pequim, 21 agosto de 2008
NELSON ÉVORA SALTA, SORRI E CHORA DE ALEGRIA
Depois de uma qualificação sem problemas, Nelson Évora, então campeão do mundo em título, entrou no imponente Estádio Olímpico de Pequim, com os outros 11 finalistas do triplo salto, poucos minutos antes das 20 horas locais do dia 21 de agosto. Desde o primeiro momento do aquecimento até ao início da prova, Nélson Évora manteve-se imperturbável, de rosto fechado e olhar concentrado. Determinado, fez o movimento característico do corpo para trás e arrancou para o seu primeiro ensaio, na pista molhada: 17,31 metros. Levantou-se, saiu da areia e foi conversar com o treinador, João Ganço, sentado na primeira fila da assistência. Um diálogo curto, alguns gestos, e o mesmo olhar de concentração. Depois dele, o britânico Phillips Idowu, um dos principais favoritos, salta 17,51 metros. Nélson responde, no segundo ensaio, com 17,56 metros. E Idowu riposta, no terceiro, com 17,62 metros. Percebe-se que as medalhas vão ser discutidas ao centímetro, que a incerteza vai durar até ao fim. É no quarto ensaio que Nélson Évora acaba por resolver o concurso, embora sem o saber. Após aterrar na areia, sente que tinha «voado» mais do que o normal. No entanto, quando o quadro eletrónico exibe a marca de 17,67 metros, ele fica desiludido. Pensava que seria mais, sentia que tinha conseguido aproximar-se do «tal salto» que tem memorizado na cabeça. Ao ver as imagens da repetição nos ecrãs gigantes, percebe então que tinha feito a chamada cerca de dez centímetros antes da tábua. A verdade é que depois dele, nos sucessivos ensaios, mais nenhum dos adversários consegue superar a sua marca. Quando o percebe, o rosto de Nelson transfigura-se. Abre a boca com um sorriso largo. Os olhos brilham. Uma lágrima solta-se e corre-lhe pelo rosto.
Atlanta, 3 de agosto de 1996
FERNANDA RIBEIRO ACELERA PARA O OURO
A final dos 10 mil metros femininos nos Jogos Olímpicos de Atlanta foi uma das mais emocionantes de sempre e um momento inesquecível para o desporto português. Na noite quente e húmida de 3 de agosto de 1996 (10 horas da noite nos EUA, mas já 3 da manhã do dia seguinte em Portugal), duas atletas chegaram juntas à entrada para a última volta: a chinesa Wang Junxia e a portuguesa Fernanda Ribeiro. O ritmo das duas era alucinante, o mais rápido alguma vez registado numa prova olímpica feminina desta distância. Mas após passarem 9600 metros a afastarem-se das restantes adversárias, elas tinham agora apenas 400 metros para discutir quem se sagraria campeã olímpica. Um duelo de titãs entre a recordista mundial dos 10 mil metros (Junxia) e a recordista mundial dos 5 mil (Ribeiro). Quem viu não esquece aqueles momentos de enorme nervosismo e ansiedade. Em especial a partir do momento em que, a 250 metros da meta, Wang Junxia acelerou o passo, como que embalada para a vitória e pronta a repetir o triunfo alcançado, dias antes, nos 5 mil metros. Fernanda Ribeiro tentava, aparentemente, segurar o segundo lugar e não perder demasiados metros para a chinesa. Mas não, afinal ela ainda tinha mais uma reserva de energia escondida nas pernas e muita força de vontade na cabeça e no coração. À entrada da reta final, a portuguesa acelerou, acelerou, acelerou… e, de repente, ultrapassou a chinesa, junto à linha. Logo a seguir, ergueu os braços e cumpriu o sonho: campeã olímpica.
Seul, 23 de setembro de 1988
ROSA MOTA IMPÕE O SEU RITMO DE CAMPEÃ
A história desta medalha de ouro começou a ser escrita seis anos antes, em Atenas, quando a maratona entrou pela primeira vez no programa oficial das provas femininas e, para surpresa geral, Rosa Mota ganhou e sagrou-se campeã europeia. “Na altura, foi um problema conseguir até inscrever-me na prova, pois em Portugal nem acreditavam que a maratona feminina ia entrar no programa”, recordou mais tarde a maratonista à VISÃO. “Em Portugal não me queriam deixar correr a maratona, até porque ainda existia o trauma provocado pela morte do Francisco Lázaro, nos Jogos de 1912. Ainda havia muito aquela ideia de que as ‘meninas’ – era assim que nos tratavam eram muito frágeis, não aguentavam grandes esforços. A verdade é que, em 1988, Rosa Mota chegou à capital da Coreia do Sul já com dois títulos de campeã europeia (em 1982 e 1986), um título mundial (em 1987) e a experiência de subir a um podium nos Jogos Olímpicos (bronze em Los Angeles 1984). Era, portanto, a atleta mais dominadora da distância, naqueles anos, e a grande favorita ao título olímpico. E confirmou todas as expetativas, numa corrida em que se manteve de forma tranquila no reduzido grupo da frente até que, a menos de quatro quilómetros da meta, José Pedrosa, o seu treinador que acompanhava a prova de bicicleta, lhe disse para aproveitar o momento de uma ligeira subida existente um pouco mais à frente no percurso e… atacar com tudo. Era esse o plano original e foi cumprido à risca, com Rosa a cortar a meta isolada, no estádio olímpico de Seul – já de madrugada em Portugal, mas levando o País ao delírio.
Los Angeles, 12 de agosto de 1984
CARLOS LOPES MOSTRA QUE OS PORTUGUESES PODEM GANHAR
“A prova, depois, foi uma das mais fáceis da minha carreira”, garantiu Carlos Lopes à VISÃO, anos mais tarde. “A maratona não teve muita história. Pelo menos para mim, já que correu exatamente como a tinha planeado. De início, a minha única preocupação era controlar, seguir no grupo da frente, mas sem nunca marcar o ritmo. Em relação aos adversários, não estava nada preocupado com o Salazar ou o Castela, que eram considerados favoritos. Eu sei que nas maratonas olímpicas os favoritos nunca ganham, por isso tinha, isso sim, atenção aos africanos e aos japoneses, de onde poderia surgir uma surpresa. Aos 33 km fui para a frente, mas rapidamente dei a dianteira a outro. Ainda não tinha chegado o momento planeado. Esse estava reservado para os cinco quilómetros finais.” E não falhou: “Ao km 37, quando já só íamos três, acelerei o passo e os outros nem sequer reagiram. E eu fui sempre aumentando o ritmo. Aos 40 km pensei: ‘Pronto, já está, só com muito azar é que posso perder esta corrida.’” Os últimos cinco quilómetros foram corridos em incríveis 14 minutos e 33 segundos. A entrada no Estádio Olímpico foi “inesquecível”, com as bancadas lotadas, já que depois da maratona ia iniciar-se a cerimónia de encerramento dos Jogos. No ecrã eletrónico ficou assinalado o tempo: 2 horas, 9 minutos e 21 segundos. Recorde olímpico que durou até Pequim 2008.
“Quando cortei a meta a alegria foi indescritível. Tinha conseguido aquilo que mais queria. Sei que sou muito frio e que, portanto, não fui muito emotivo, limitei-me a levantar os braços e a sorrir. Não quis entrar em folclores, mas sentia-me extremamente realizado. Eu sabia que tinha condições para ser campeão olímpico, lutei por isso, trabalhei muito e, no fim, consegui.” Em Portugal, já passava das 3 horas da madrugada. Soltaram-se foguetes, abriram-se garrafas de champanhe, gritou-se nas ruas, acordaram-se os vizinhos. Milhões de portugueses lembram-se exatamente onde e com quem estavam nesse dia 12 de Agosto (que, afinal, para nós já era 13…), e do momento em que a bandeira nacional subiu ao mastro e, pela primeira vez na história olímpica, “A Portuguesa” ecoou no estádio, graças a Carlos Lopes, aos 37 anos.