Por muito que todos os membros da Seleção Nacional e da Federação Portuguesa de Futebol tenham passado a última semana a desvalorizar os efeitos daquela espécie de entrevista em que, a seu pedido, Cristiano Ronaldo aproveitou uma conversa com um famoso apresentador de televisão para tentar resolver a sua vida profissional, a verdade é que o incómodo era óbvio. Numa altura em que a equipa se prepara para iniciar a participação no Campeonato do Mundo de futebol, obrigar todos os envolvidos a focarem-se exclusivamente no futuro de um só jogador é um erro. É verdade que todos estão habituados a que CR7 seja sempre o centro das atenções. Foi sempre assim nas últimas décadas, enquanto o craque português viveu as suas melhores épocas desportivas e competiu, com Messi, o posto de “melhor do mundo”. Mas, desta vez, a coisa foi longe demais. Consciente ou inconscientemente, Cristiano Ronaldo fez de toda a Seleção Nacional, sobretudo dos seus colegas e treinadores, reféns da sua estratégia pessoal. O jogador colocou o seu futuro desportivo a cima do interesse coletivo da equipa. E isso causou evidente incómodo entre todos. E não é para menos. Obrigar os outros jogadores convocados, atletas que atuam em alguns dos melhores clubes do mundo, com aspirações e ambições próprias e tão ou mais legítimas, a passar conferências de imprensa inteiras a comentar o futuro de CR7 é, não só uma maldade, mas um erro colossal. Permitir que todo o foco de uma equipa se centre num só jogador, por mais importante e carismático que ele seja, é meio caminho andado para minar a união e a solidariedade entre todos, ingredientes fulcrais para formar um grupo e lutar por objetivos comuns.
Na manhã desta segunda-feira, foi com surpresa que se viu aparecer Cristiano Ronaldo na sala de conferências de imprensa. Não é habitual ver o capitão da Seleção Nacional falar a uma distância de quatro dias dos jogos. Normalmente, em competições anteriores, Ronaldo falava apenas (e nem sempre o fazia) na véspera dos jogos, ao lado ou imediatamente antes do selecionador nacional. Independentemente de ter sido uma decisão do jogador ou uma imposição da estrutura da federação, o que saltou à vista é que, finalmente, surgiram adultos na sala. A estratégia de colocar, tão cedo, Ronaldo perante os microfones e sob os holofotes mediáticos visa tentar esvaziar o tema da entrevista e libertar o resto da comitiva, fazendo-a focar-se apenas na competição.
O que se espera depois disto é que este ato tenha consequências e se traduza também numa mudança de mentalidades no seio de todo o grupo, nomeadamente no que diz respeito à equipa técnica, liderada por Fernando Santos. Será dele a responsabilidade de, no fundo, colocar Cristiano Ronaldo no seu devido lugar: o de capitão de equipa, jogador mais experiente e titulado do grupo, dotado de um talento indesmentível, mas apenas e só mais um entre os 26. Está na hora da Seleção Nacional deixar de atuar em função de Cristiano e ser o jogador a comportar-se em função dos interesses coletivos. Se assim for, Portugal estará mais perto do sucesso e até o próprio CR7 poderá recolher dividendos para o futuro da sua carreira. Se assim não for, perde a equipa portuguesa, que volta a desperdiçar o talento de uma das gerações mais talentosas da história e perde também Ronaldo, que terá de arcar com a responsabilidade de ter minado o trabalho de toda a equipa.