A agenda da rentrée está cheia. Até ao final deste mês, a banda José Pinhal Post-mortem Experience atua na Parede, em Faro, Fafe, Porto e São João da Madeira. No curriculum, além de muitos concertos por esse País fora, os sete músicos (Zé Pedro Santos, bateria, Zézé Cordeiro, baixo e voz, João Sarnadas, guitarra elétrica e voz, Tito Silva, teclas e trompete, David Machado, saxofone, Nuno Oliveira, percussão e voz e Bruno Martins, voz) têm atuações nos festivais de Paredes de Coura, Bons Sons, Fnac Live e Ponte de Lima.
Mas quem são eles? Ou melhor perguntado: quem é José Pinhal?
Trata-se de um artista popular, nascido em 1952, em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, e desaparecido, fatalmente, em 1993, aos 42 anos, num acidente de viação, quando regressava de um dos seus espetáculos. Na sua curta, mas intensa carreira musical, ganhou o 1º festival da canção do Norte e gravou três álbuns, com as Edições Nova Força. Neles, podem ouvir-se canções como Tu És a Que Eu Quero (Tu Não Prendas o Cabelo), Magia (Bola de Cristal Mentia) ou Porém Não Posso. Estes são apenas três exemplos dos êxitos festivos que hoje são entoados ao pormenor por um público vasto, composto essencialmente por hipsters que nem eram nascidos quando ele morreu.
Entretanto passou-se quase uma década, sem que o cantor pimba e a sua música fossem mais ouvidos. Em 2001, o irmão de Paulo Cunha Martins, hoje com 42 anos, comprou um apartamento que antes fora o escritório de Cipriano Costa, agente de José Pinhal. E aí encontrou bastante material promocional de outras bandas e duas cassetes – volume 1 e 2 – com grande parte do reportório do artista.
Paulo passou a ouvi-las com frequência no seu autorádio, foi passando palavra, ou canções neste caso, a todos os seus amigos do Porto e tocando-as em algumas festas por si animadas. “Achávamos piada à voz, às letras, aos arranjos super caricatos. Notávamos ali algum humor e uma vontade muito forte de fazer música, mas não fazíamos ideia de quem era aquele homem, se estava vivo ou morto”, conta aquele que é o “culpado original” pelo renascer do cantautor.
O primeiro grande salto para a disseminação das canções deu-se quando, anos mais tarde, Paulo, fotógrafo e DJ de música portuguesa, digitalizou as músicas para um CD e criou um ficheiro áudio que foi partilhado por amigos, amigos de amigos, anónimos, até ele perder a noção do alcance da partilha. Pelo meio nasceu um grupo de Facebook que pedia a reedição dos temas que já se entoavam em alguns meios mais alternativos.
Ao mesmo tempo, Joaquim Gomes, responsável por um canal de Youtube de música de baile, vai colocando as canções de Pinhal nesta rede social, contribuindo também para que elas cheguem a ainda mais pessoas. Hoje, tem quase 14 mil subscritores e mais de três mil vídeos publicados.
“Ainda há mais músicas para aprender“

Só em 2016 entra em cena a banda José Pinhal Post-mortem Experiencie. Os sete amigos, a quem também chegaram as músicas perdidas, decidiram juntar-se para tocar numa festa da editora Favela Discos. “Pensámos numa homenagem pontual, nunca imaginámos que houvesse continuidade”, confessa Bruno Martins, o vocalista que apresenta claras parecenças físicas com o cantautor dos anos 1990. O bigode já o tinha, o cabelo comprido também, só foi preciso comprar um fato branco e uma camisa preta para o look se assemelhar o que José Pinhal levava para os seus concertos em arraiais e alguns bares da zona norte.
Para estes amigos, da cena musical undergound do Porto, todos na casa dos trintas, as músicas soaram-lhes fantásticas e pareceu-lhes que a entrega do cantor o distinguia dos seus contemporâneos. “Quando pegámos nisto, não havia nada escrito. Tocámos de ouvido, tentando ser o mais fiéis possível, sem colar outra sonoridade às músicas de José Pinhal”, ressalva Bruno.
Nem por isso, a banda deixa de se espantar pelo crescimento exponencial do fenómeno. E não se pense que têm os dias contados por culpa de um repertório fechado, pois, conforme confessa Bruno, ainda têm muitas músicas para aprender e levar para cima dos palcos.
O documentário de 23 minutos A Vida Dura Muito Pouco, do então estudante Dinis Leal Machado, estreado no festival IndieLisboa, em 2020, também contribuiu para elevar a fasquia do culto em volta desta figura da música popular portuguesa. Já para não falar da notícia publicada no site do jornal britânico de referência The Guardian, em fevereiro deste ano, com o título O Mundo não estava preparado para ele: José Pinhal, o ícone português kitsch-pop resgatado da obscuridade.
Entretanto, em fevereiro de 2022, a Lusofonia Record Club, o primeiro clube de vinil por assinatura dedicado à música lusófona, editou dois vinis que esgotaram num ápice – ainda podem ser encomendados no site da editora – e imprimiu dois modelos de t-shirt, que também são um êxito entre os fãs.
Fátima, a sua mulher e musa, também já morreu, sem ter sido testemunha dos tributos pós-morte dedicados a José Nando, como tratava o marido. Mas a filha, Marina, que tinha apenas 17 anos quando o pai morreu, acompanha este fenómeno cheia de orgulho e de lágrima fácil ao canto do olho. Pode imaginar-se a emoção que sentiu ao subir ao palco com a banda tributo que promete continuar a espalhar a palavra de Pinhal por aí, encantando plateias cada vez mais cheias de fãs. Porque, em havendo vontade, a música nunca se deixa matar.