O despacho, publicado em Diário da República (DR) no mesmo dia, determina que aquele órgão de administração da FAMC-CB “fica limitado à prática de atos meramente conservatórios do património fundacional, e proibido de praticar atos que envolvam a alienação ou a oneração de quaisquer bens ou direitos e, bem assim, a assunção de novas responsabilidades”.
A extinção da FAMC-CB — que deu origem, há 15 anos, à criação do Museu Coleção Berardo, instalado no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa — foi aprovada em Conselho de Ministros há duas semanas, para concretizar a transferência da gestão do espaço museológico para a Fundação CCB, na sequência da denúncia do acordo entre as partes pelo Ministério da Cultura.
No decreto-lei da extinção ficou estabelecido que o fim da FAMC-CB irá competir a uma comissão liquidatária composta por três ou cinco membros a designar por despacho dos ministros responsáveis pelas áreas da Presidência do Conselho de Ministros, das Finanças e da Cultura, e que ainda não foi criada.
Até lá, o despacho aprovado esta quinta-feira fala no “relevante interesse público” em proteger a efetiva passagem do Museu Berardo para o designado, esta semana, Museu de Arte Contemporânea — CCB, enquanto não for nomeada a comissão liquidatária, à qual competirá realizar um inventário de passivos e ativos da FAMC-CB e o destino das obrigações contratuais, despesas e encargos, segundo o decreto-lei da extinção.
Esta semana, o Supremo Tribunal Administrativo recebeu dos advogados de José Berardo uma providência cautelar a contestar o decreto-lei de extinção da FAMC-CB, e a pedir a suspensão de eficácia do ato administrativo da extinção daquela entidade.
No documento, a que a agência Lusa teve acesso, é indicado que “nem a Associação Coleção Berardo, nem a FMAC-CB, que são as partes no contrato de comodato, resolveram ou puseram em causa de qualquer forma o contrato de comodato da Coleção Berardo”.
“Assim, o contrato de comodato da Coleção Berardo renovou-se automaticamente até 31 de dezembro de 2028”, sustenta, recordando que o novo acordo indicava uma cláusula de renovação automática por mais seis anos, caso nenhuma das partes a impedisse.
No entender de José Berardo, apesar de o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, ter denunciado o acordo, por carta dirigida ao Presidente da Associação Coleção Berardo (José Berardo), datada de 26 de maio de 2022, sustenta que este membro do Governo “não representa a FMAC–CB, não tendo assim poderes para denunciar o contrato de comodato da Coleção Berardo”.
No despacho aprovado na quinta-feira em Conselho de Ministros para limitar os poderes da FAMC-CB justifica-se: “Tendo em conta o relevante interesse público em presença – não só pela necessidade de cumprimento da legalidade em matéria de fundações, como pela importância de manter a fruição pública das obras que integram a Coleção Berardo, o que só se alcançará se e quando a posse e gestão plenas do espaço em que as mesmas se encontram expostas retornar à Fundação Centro Cultural de Belém, fiel depositário das mesmas — é necessário, até à nomeação da comissão liquidatária, evitar uma situação de incerteza – com inevitáveis consequências a nível de alarme público – e impedir qualquer atuação, por parte do conselho de administração, que impeça ou dificulte a atividade da comissão liquidatária a nomear”.
O documento determina, por isso que, “qualquer outro ato, para além dos meramente conservatórios, que se revele essencial para assegurar a proteção do património fundacional ou o cumprimento de obrigações a que a Fundação se encontre adstrita carece de autorização prévia da entidade competente para o reconhecimento”.
Também as “deliberações sobre a prática de atos meramente conservatórios só podem ser tomadas com o voto favorável de quatro dos membros do conselho de administração” da FAMC-CB, indica o despacho assinado pelo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas.
Além de estabelecer que “os atos que os administradores praticarem em violação das regras anteriores não vinculam a Fundação perante terceiros”, também determina que “os administradores respondem pessoalmente pelos atos que praticarem e pelos danos que deles advenham, em violação das regras” estabelecidas.
José Berardo é presidente honorário vitalício da FAMC-CB desde o seu início, e atualmente o Conselho de Administração da fundação inclui ainda, em sua representação, o filho, Renato Berardo, e o advogado André Luiz Gomes.
Do lado do Governo, estão como administradores o presidente do CCB, Elísio Summavielle, e o advogado Rui Patrício, enquanto a ex-vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa Catarina Vaz Pinto foi nomeada por comum acordo entre as partes.
As obras da Coleção Berardo estão arrestadas desde julho de 2019, na sequência de um processo interposto em tribunal pelo Novo Banco, a Caixa Geral de Depósitos e o BCP, para recuperarem uma dívida próxima de 1.000 milhões de euros.
Inaugurado em 25 de junho de 2007, o Museu Coleção Berardo foi criado na sequência de um acordo assinado em 2006 para cedência gratuita, ao Estado, por dez anos, de uma coleção com 862 obras de arte do colecionador e empresário José Berardo, avaliadas, na altura, em 316 milhões de euros pela leiloeira internacional Christie’s.
Em 2016, concluídos os 10 anos do acordo com o Estado para criar o Museu Coleção Berardo, foi assinada uma adenda entre as partes para prolongamento por mais seis anos, com a possibilidade de ser renovada automaticamente a partir de 2022, se não fosse denunciado por qualquer das partes nos seis meses antes do fim do protocolo.
Globalmente, na sequência do processo contencioso movido pelos bancos, foram arrestadas cerca de 2.200 obras de arte de José Berardo.
A coleção inclui obras de artistas como Jean Dubuffet, Joan Miró, Yves Klein, Piet Mondrian, Duchamp, Picasso, Chagall e Andy Warhol, além de artistas portugueses como Rui Chafes, José Pedro Croft, Jorge Molder e Fernanda Fragateiro.
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