“Da tia da Quinta da Marinha à mais humilde costureira de Arroios, passando pela jovem universitária fresca e perfumada.” João Pedro George resume assim a transversalidade de leitores que quer, e imagina, para o seu novo livro: O Super-Camões (Dom Quixote, 976 págs., €29,90), nas livrarias a partir da próxima semana. A editora apresenta-o como a primeira biografia de Fernando Pessoa escrita por um autor português em mais de 70 anos. Pode parecer estranho, mas é verdade. Logo em 1950, 15 anos depois da morte de Fernando Pessoa, João Gaspar Simões lançou Vida e Obra de Fernando Pessoa, mas depois disso nenhum português se dispôs a mergulhar na vida do mais importante poeta português do século XX. Muito se escreveu sobre Pessoa e a sua caleidoscópica obra, isso é certo, páginas e páginas, mas fugindo sempre à clássica e ambiciosa biografia (houve, por exemplo, em 1981, o livro de António Quadros Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio ou uma completa fotobiografia em 1984, assinada por Maria José de Lencastre, mas que não são exatamente “biografias”). Curiosamente, vários escritores estrangeiros, fascinados com o universo de Pessoa, atiraram-se a essa tarefa de lhe dedicar obras biográficas (ver caixa na página 76).
O especialista pessoano Richard Zenith (em entrevista na VISÃO Biografia dedicada a Fernando Pessoa, publicada em agosto do ano passado) ensaiava assim uma explicação para esse estranho facto de Pessoa não ter sido objeto de biografias em Portugal: “A própria obra de Fernando Pessoa ainda não estava publicada, havia milhares de papéis por estudar e organizar que, durante muitos anos, estiveram em casa da irmã de Pessoa [na célebre arca]. Para quem trabalhava sobre o escritor, o que importava mais era revelar e estudar a sua obra. Ainda por cima, já existia uma biografia, para quê fazer outra?” Por seu lado, o francês Robert Bréchon, no prefácio da sua biografia com o belo título Étrange Étranger (Estranho Estrangeiro), falava, a propósito de Pessoa, de “uma vida mais rica em obra do que em acontecimentos”.
“Pessoa tinha consciência de que era um tipo fora de série, a anos-luz dos seus contemporâneos”, diz João Pedro George