Barómetro anual dos grandes acontecimentos que marcam o compasso do mundo nos doze meses anteriores, os prémios internacionais de fotografia World Press Photo foram igualmente contaminados pela Covid-19, com muitas das reportagens selecionadas a revelar lutos, distanciamento social, limitação de fronteiras, incerteza perante o futuro. Houve quem fotografasse, com realismo cirúrgico, corpos de vítimas da pandemia enrolados em banais películas à espera de serem transportados para um saco para cadáveres num hospital da Indonésia. Como uma múmia contemporânea sem direito a ritos fúnebres (imagem do fotojornalista freelancer Joshua Irwandi). E houve quem registasse os novos cenários quotidianos, teatros do absurdo afinados pelo engenho e pela necessidade: jogos de bridge divididos por divisórias de acrílico; fronteiras entre países restauradas com fitas sanitárias que separam ruas, pátios, estações de comboio; abraços desejados a acontecerem num mar de proteções de plástico; leões marinhos a brincarem com uma máscara facial descartada no mar verdadeiro.
Mas embora a pandemia tenha sido uma pedrada no charco planetário, as câmaras dos fotógrafos focaram muitos outros temas diferentes. Como o das alterações climáticas que levaram as comunidades da região indiana de Ladakh a construírem glaciares artificiais (fotografados pelo esloveno Ciril Jazbec) ou uma pequena vila do Bangladesh a recolher o orvalho matinal coado através de panos esticados ao ar livre (trabalho de K M Asad), tudo para obter água. Ou os incêndios que dizimaram cerca de um terço da área do Pantanal na Amazónia brasileira em 2020 (destruição testemunhada por Lalo de Almeida), mas também as revoltas populares e os protestos associados ao movimento Black Lives Matters após a morte de George Floyd, Minneapolis a ferro e fogo (nas imagens de John Minchillo, fotógrafo da Associated Press). Ou os migrantes encalhados na Grécia, retratados num preto e branco implacável (na reportagem de Angelos Tzortzinis) ou em cores, desfazendo os estereótipos colados à habitual representação da figura do migrante (como fez Alisa Martynova).
O mundo fez-se presente, através de trabalhos fotográficos dedicados à cobertura dos conflitos territoriais na região de Nagorno-Karabakh, do acidente no porto de Beirute que destruiu parcialmente a capital do Líbano, das histórias de sobrevivência das raparigas iazidis resgatadas ao Estado Islâmico (muitas vezes através de resgates pagos pela família). Mas o galardão acolheu igualmente temas mais intimistas e desconhecidos do grande público: a reportagem dedicada ao fenómeno dos Reborn, ou Renascidos, esses bebés artificiais que imitam as crianças verdadeiras até em detalhes como terem pestanas verdadeiras ou um batimento cardíaco (reportagem de Karolina Jondecko). Ou essa história das crianças palestinianas nascidas de pais presos, que conseguem fazer contrabando do seu sémen em tubos ou em outros recipientes improvisados (Antonio Faccilongo). Ou ainda a descoberta de “Sakhawood”, uma indústria cinematográfica pujante radicada em Sakha, uma pequena república da Federação Russa (captada por Alexey Vasilyev).
Veja todas as imagens nomeadas ao World Press Photo 2021, aqui:
Para os prémios internacionais World Press Photo 2021, foram escolhidos trabalhos de 45 jornalistas e fotógrafos oriundos de 28 países, de entre as candidaturas de 4300 autores e de 74 mil fotografias (um aumento face a 2020, que registou as candidaturas de 4282 fotógrafos de 125 países, e de 73996 imagens). A cumprir mais de seis décadas de existência, este galardão distingue, além da Fotografia do Ano e da História do Ano, trabalhos nomeados nas categorias Temas Contemporâneos, Notícias, Ambiente, Reportagem, Natureza, Spot News e Retratos. Rodrigo Orrantia, curador e membro do júri, declarou: “O que se destacou [nesta edição] foi a variedade de abordagens à narrativa visual. Os fotógrafos em geral, particularmente os fotojornalistas e fotógrafos de imprensa, estão a descobrir novas maneiras de contar histórias. Algumas candidaturas destacaram-se por causa da sua linguagem visual muito sofisticada, o que é uma mudança entusiasmante face à tradição clássica do fotojornalismo.”
Os seis nomeados para o prémio Fotografia do Ano World Press Photo são: a fotojornalista norte-americana Evelyn Hockstein com a imagem Debate sobre o Memorial da Emancipação (fotografado para o Washington Post), que mostra um homem e uma mulher em discordância sobre o derrube da estátua de Abraham Lincoln que representa o antigo presidente dos EUA a segurar a Proclamação da Emancipação numa mão, com a outra pousada na cabeça de um escravo negro; o russo Valery Melnikov com Abandonar a casa em Nagorno-Karabakh, fotografia de um casal arménio em lágrimas forçado a deixar o território, agora nas mãos do Azerbaijão; o fotógrafo dinamarquês Mads Nissen por O primeiro abraço, entre uma utente de um lar e uma enfermeira em tempos de confinamento; o freelancer usso Oleg Ponomarev pelo trabalho sobre a realidade dos transgénero, A Transição: Ignat; o fotojornalista espanhol Luis Tato por Combater a invasão dos gafanhotos na África Oriental, também nomeada na categoria Natureza; o italiano Lorenzo Tugnoli escolhido por Homem ferido após a explosão no porto de Beirute, retrato de um libanês por entre os escombros da capital.
Os fotógrafos nomeados na categoria História do Ano são o canadiano Chris Donovan pela reportagem Os que ficam serão campeões, história a preto e branco sobre a equipa de basquetebol Flint Jaguars, a resistirem numa comunidade empobrecida pelo declínio da General Motors e preconceitos estruturais; o italiano Antonio Faccilongo com a série fotográfica Habibi, o comovente retrato de uma longa espera no lar familiar pelo prisioneiro palestiniano há mais tempo encarcerado numa prisão israelita; e o russo Valery Melnikov, novamente nomeado pela reportagem Paraíso Perdido.
O português Nuno André Ferreira, 41 anos, está entre os nomeados ao World Press Photo 2021. O fotojornalista que trabalha na Agência Lusa está nomeado na categoria Spot News, com uma fotografia captada em setembro de 2020 no âmbito de uma reportagem sobre um incêndio florestal, em Oliveira de Frades, no distrito de Viseu: a imagem dominada por negros e amarelos revela um carro com uma criança lá dentro, que devolve o olhar ao fotógrafo, tendo como pano de fundo a silhueta das labaredas altas nos montes e vales próximos.

Os vencedores do World Press Photo 2021 serão anunciados a 15 de abril. A exposição itinerante que revela as fotografias premiadas vai ser trazida a Portugal pela VISÃO, ficando patente na Grande Lisboa em data e local a anunciar brevemente.