Por duas vezes, pelo menos, Alba Baptista já teve a sorte a bater-lhe à porta e soube agarrar essas oportunidades. A primeira, há sete anos, no casting para Miami, curta-metragem de terror realizada por Simão Cayatte e, em 2018, ao participar no Festival de Cinema Europeu Subtitle, na Irlanda. “Ao início é sempre preciso sorte. É a vida a dar-te um empurrão. E o difícil não é chegar a esta indústria, o difícil é permanecer”, constata a atriz de 22 anos, mais uma portuguesa a entrar para a família internacional da ficção em streaming, ao protagonizar Warrior Nun, nova série da Netflix, que estreou na quinta-feira, 2 de julho.
Criança tranquila, a mais nova de três irmãos, Alba Baptista teve a sua fase de rebeldia por volta dos 15 anos, quando “lutava contra a insatisfação interior”. Por isso, quando foi ao casting para Miami e Simão Cayatte lhe perguntou como lidava com a culpa, adorou aprofundar esse assunto. Antes, já Patrícia Vasconcelos, responsável pelo casting, lhe tinha feito várias perguntas de resposta rápida, a testar-lhe o raciocínio. Cayatte quase a eliminou por ter “cara de princesa”, mas Patrícia insistiu e hoje confessa: “Foi um diamante que me veio parar às mãos. Ela junta várias características essenciais num ator: inteligência, disponibilidade, curiosidade e talento, o que só por si não chega porque é preciso trabalhar muito. Ela tem luz, tem uma aura à sua volta. Tem a imagem de forte e de frágil ao mesmo tempo.”
Apesar de ter nascido em Lisboa, Alba Baptista tem sangue de vários países a correr-lhe nas veias. Os avós emigraram para a Alemanha onde nasceu a mãe, tradutora, cuja mentalidade reúne as raízes tradicionais portuguesas com a modernidade alemã da época da sua juventude. Os caminhos profissionais levaram-na para o Rio de Janeiro, onde conheceu o marido, um engenheiro mecânico brasileiro. Já com a família em Portugal, Alba frequentou a Escola Alemã de Lisboa, onde aprendeu a não protelar o que tem para fazer. Quando entrou em Jardins Proibidos (2014), primeira de três telenovelas em que já participou, sentiu um grande choque cultural, pois não compreendia bem o lado informal do dia de trabalho. Seguiram-se algumas séries de ficção (Filha da Lei, Madre Paula…) e mais cinema português. O ano de 2018 incluiu vários trabalhos, desde Caminhos Magnétykos, de Edgar Pêra, Leviano, de Justin Amorim, Equinócio, curta de Ivo M. Ferreira, Tudo o Que Imagino, de Leonor Noivo ou Linhas de Sangue, de Sérgio Graciano e Manuel Pureza, em que interpretava uma personagem alemã. E tudo começou quando, aos 14 anos, foi acompanhar a irmã mais velha que quis inscrever-se numa agência de modelos e anúncios e, por sugestão desses profissionais treinados para adivinhar talentos, também ela acabou por se inscrever. Seria a partir dessa agência que chegaria o desafio para entrar no casting de Miami.
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Sem fronteiras
Já há algum tempo que Alba Baptista dizia à sua agente, Carla Quelhas, que queria mostrar o seu valor em produções internacionais. “Domino várias línguas e quero explorar esse lado. Vejo beleza nos dialetos. Ler Goethe ou Shakespeare no original acentua a sua beleza”, explica. Com dupla nacionalidade (portuguesa e brasileira), Alba é fluente em português (também com sotaque perfeito do Brasil), alemão, inglês, francês e espanhol. Há dois anos, Carla Quelhas conseguiu levá-la ao festival Subtitle, na Irlanda, onde vão todos os diretores de casting do mundo, e a experiência foi muito intensa. “Passei cinco dias com entrevistas de manhã à noite: dez minutos à frente de três diretores de casting, intervalo de cinco minutos, e assim sucessivamente até ao fim do dia. É insano, intimidante e não se sabe o que esperar. Não havia a pressão para mostrar o meu valor, o que já tinha feito, porque ali já só estão os que têm potencial para crescer”, recorda.
“Para a idade dela, na altura com 20 anos, tinha, e tem, um percurso no cinema e nas séries televisivas portuguesas muito vendável lá fora”, analisa Carla Quelhas, que meia hora depois de ela ter chegado ao festival começou a receber inúmeros pedidos para castings. O da Netflix foi o primeiro que fez nessa edição em que também foi distinguida com o Prémio Revelação Feminina.
Quando Alba abriu o email da Netflix a dizer “protagonista”, “que ressuscita e tem cenas de pancadaria”, pensou: “Nunca vou ficar com o papel, mas é bom poder fazer um casting em inglês.” Estava tão descomprometida que fez uma gravação nada convencional, dentro do quarto de hotel, com péssima luz e a fingir estar a ver demónios. Escolheram-na precisamente por isso: “Porque fui imprevisível na minha forma de representação.”
Cada vez mais, os diretores de casting internacionais estão à procura de talento, como assegura Carla Quelhas. “Nos últimos anos, houve um alargamento do mercado gigantesco. Havia a máquina de Hollywood, muito fechada, e de repente as plataformas de streaming que fazem produção própria alargaram o mercado, e há a necessidade de absorver atores. Filmar na Europa é menos burocrático do que nos EUA, os atores são igualmente talentosos e, por norma, falam muito bem inglês. No ano passado, senti que o mercado espanhol já não estava a responder às solicitações e um ator português que falasse muito bem espanhol e inglês tinha muitas hipóteses de se exportar.”
Ideia corroborada por Patrícia Vasconcelos, diretora de casting e mentora do Passaporte, festival da Academia Portuguesa de Cinema, cuja principal missão é promover a internacionalização de atores portugueses: “Os nossos atores têm de ser tão equacionáveis como quaisquer outros.”
São já vários os atores e atrizes nacionais a integrarem as produções da Netflix: White Lines internacionalizou Nuno Lopes; Diogo Morgado e Maria de Medeiros entraram em O Matador (2017), primeira longa-metragem da Netflix a ser rodada no Brasil; antes, já Maria João Bastos entrara em O Mecanismo, série brasileira sobre a Operação Lava Jato, realizada por José Padilha; Pêpê Rapazote ganhou notoriedade em Narcos; a aparição inesperada de Lídia Franco no filme 6 Underground foi aplaudida, e Albano Jerónimo, depois de participar em Vikings, entrará na série The One, baseada num conto de ficção científica de John Marrs, a estrear-se em setembro. “Muitos dos diretores de casting não chegariam a Portugal se não fosse o Passaporte, que apareceu na altura certa; o que interessa é o ator certo para o papel certo, e tanto talento não podia ficar confinado em Portugal”, brinca Patrícia Vasconcelos.
Sobre Alba Baptista, os responsáveis por escolher os elencos costumam dizer a Carla Quelhas que ela tem um rosto que alcança uma grande amplitude: consegue representar uma adolescente, alguém da sua idade e uma mulher madura com aspeto jovial. “Sinto-me agradecida de estar no meio-termo, de poder andar para trás e para a frente na idade”, diz Alba. Nas telenovelas em que entrou, sentiu-se categorizada como Lolita. “Cara de menina em corpo de mulher, frustrava-me imenso essa conotação sexista e sexual.”
Em Warrior Nun, uma criação de Simon Barry, inspirada na banda desenhada norte-americana Warrior Nun Areala (de 1994, ao estilo manga japonês), de Ben Dunn, Alba interpreta Ava Silva, uma jovem de 19 anos que ressuscita na morgue do orfanato onde mora desde a infância, dotada de poderes extraordinários: o seu corpo consegue regenerar-se e, às vezes, também atravessar paredes.
Alba poucas vezes usa a palavra atriz, prefere artista. Em miúda sempre quis ser pintora, tinha o gosto de fazer retratos a carvão, ou pianista, algo que nunca desaprendeu (mas, durante a quarentena, contactou a sua antiga professora para retomar as aulas): “Gosto de pensar que a alma de artista é mais abrangente do que só o que a representação engloba.”
Num futuro próximo, Alba Baptista vê-se a experimentar a escrita de um argumento e a realizá-lo, mas, até ao final do ano, o público terá a oportunidade de confirmar, mais ainda, o seu talento na representação: a 23 de julho estreia-se Patrick, filme escrito e realizado por Gonçalo Waddington, em que interpreta uma jovem que tenta aproximar-se do primo, um rapaz que foi raptado aos 8 anos e que reaparece com outra identidade; em Fátima, de Marco Pontecorvo, está ao lado de Sónia Braga e de Harvey Keitel; no outono, em Nothing Ever Happened, de Gonçalo Galvão Teles, é uma das adolescentes do trio de protagonistas. Em julho, perto de Lisboa, começará a rodar L’Enfant, projeto francês produzido por Paulo Branco, com argumento e realização de Marguerite de Hillerin e de Félix Dutilloy-Liégeois. Alba será uma adolescente e contracenará com João Reis e Albano Jerónimo, que, curiosamente, integrava o júri, em 2015, que premiou Miami na edição do Festival MOTELx. “Quero chegar a uma altura da carreira em que posso escolher os papéis que faço”, diz Alba. “Sei que em Portugal isso é difícil.” Mas o mundo está à espera dela.