A 18 de março, no dia em que foi decretado o estado de emergência em Portugal, Lucília Monteiro sabia que não iria ficar de braços cruzados. E que mesmo durante a quarentena, dentro das quatro paredes da sua casa no Porto – de onde saía, apenas, por motivos pessoais e profissionais durante o seu trabalho como fotógrafa da VISÃO –, continuaria a usar a máquina fotográfica para contar histórias.
Assim, durante os 48 dias do confinamento provocado pela pandemia Covid-19, Lucília Monteiro publicou 48 crónicas diárias (cada uma delas com sete fotografias) no site da VISÃO, numa série a que decidiu chamar Ronda, onde couberam pensamentos, sentimentos e estados de alma. No total, foram 336 fotografias, com dezenas de temáticas: Páscoa, Ressurreição, Rotinas a não perder, Aves raras, Tempo suspenso, Vento, Jogando com o Sol, Primavera-Verão, A rosa da madrugada, Regresso à infância, A arca da avó, Abril águas mil…, contadas a partir de objetos pessoais, do quotidiano da sua própria família, ou do que observava a partir da janela de casa.
Atenta à publicação diária das suas crónicas, Manuela Matos Monteiro, a curadora e responsável pelo Mira Fórum, no Porto, desafiou-a, entretanto, para uma exposição online, que acaba de ser inaugurada na página de Facebook da galeria, com uma seleção dessas 35 fotografias, a preto e branco. É mais uma mostra que se junta às outras 16, disponíveis nas redes sociais da galeria de Campanhã, inauguradas ao longo desta fase de pandemia.
“As fotografias eram uma perspetiva pessoal de Lucília Monteiro, mas em que qualquer um de nós se reconhecia”, salienta Manuela Matos Monteiro. Para a curadora, as imagens captadas pela repórter fotográfica da VISÃO durante a quarentena significam “uma proposta de leitura e de interpretação, com sentimentos de inquietação, ansiedade, mas também de esperança”. A mostra online é acompanhada de um vídeo que junta as fotografias de Lucília Monteiro ao som de João Lafuente.
Na sua série fotográfica Ronda feita para a VISÃO, Lucília Monteiro pretendeu, sobretudo, transmitir a urgência de o Homem “parar para pensar”, refletindo sobre “a vida, o mundo, e o excesso de consumo”.
Logo numa das suas primeiras crónicas, intitulada De volta à caverna, a fotógrafa, natural de Santa Cruz, Madeira, comparava o momento em que vivíamos ao Mito da Caverna, de Platão: “Passámos a ficar dentro de casa, numa caverna contemporânea, onde as sombras do exterior nos chegavam através das redes sociais”, lembra. Em O Homem Só, através de imagens como a do Papa Francisco sozinho na vazia Praça de S. Pedro, no Vaticano, a fotógrafa alertava para a solidão do Homem num mundo que, apesar de ser cada vez mais tecnológico e com avanços científicos, parecia impotente para combater um vírus.
Janela, Viagens e Respiração Condicionada são outras três crónicas disponíveis nesta mostra online do Mira Fórum. Nesta última crónica fotográfica (a única com imagens a cores), a fotógrafa da VISÃO contrapunha a melhoria do ambiente no mundo, durante o confinamento da população, e a necessidade de o Homem ser obrigado a usar uma máscara (a tal “Respiração condicionada”), como forma de se proteger a si e aos outros. “O ar está mas limpo, mas o espaço para respirar está muito limitado”, transmitia através das suas fotografias que são, afinal, a sua maneira de contar histórias.