Teste de cultura visual: quem tirou a última fotografia de Steve Jobs, o olhar penetrante a mirar-nos na capa da sua biografia? Quem colocou a modelo Kate Moss, no seu 18º aniversário, nua, de costas, com a ossatura da coluna espetada como um fóssil de dinossauro? Quem captou Hitchcock com um ganso na mão, ironia afiada, caça e caçador parecidos? Quem fotografou um macaco de máscara e revólver na mão, inquietantemente humano? Estas fotografias icónicas pertencem ao arquivo das milhares criadas por Albert Watson, escocês nascido em 1942, classificado pela revista Photo District News como um dos 20 fotógrafos mais influentes do século XX, ao lado de Richard Avedon ou Helmut Newton. Como eles, foi um “gun for hire” (o termo usado por Newton para o trabalho encomendado): o seu currículo inclui mais de 40 capas para a Rolling Stone, muitas mais para a Vogue, TIME ou Harper’s Bazaar, fotografia comercial para moda, marcas, cinema. Tem obras em museus, prémios, livros publicados – a que se juntará, em setembro, um volume XXL editado pela Taschen.
À VISÃO conta que nunca falhou um dia de trabalho. “Todos os dias, as pessoas levantam-se, comem o pequeno-almoço, almoçam, jantam. É o que fazem para se manterem vivos. Comigo, acontece o mesmo: acordo e estou sempre à procura de algo para fotografar. É algo que preciso de fazer”, diz.
Antes, Watson estudou design gráfico e aprendeu realização. “Quando se juntam estas coisas, tem-se o que eu sou”, resume, desarmante e sem esconder o sotaque escocês apesar das décadas de vida em Nova Iorque. Mas não ficou por aí: “Senti que era o meu dever aprender iluminação, da mesma forma que um canalizador aprende a substituir uma torneira. Dominar a luz dá-nos uma melhor qualidade nas nossas imagens.” Às fotografias de Albert Watson, elogia-se o grafismo, a pureza de linhas, os retratos de rostos roubados às sombras, as paisagens indefiníveis, uma perturbação elegante e depurada − não os momentos irrepetíveis mas a luz, escultórica.
“A sua iluminação é uma orquestra completa”, definiu o crítico Francis Hodgson, fundador do Prix Pictet e antigo responsável pela fotografia na leiloeira Sotheby’s. Há preto e branco, e há “o” preto e branco fotografado por Albert Watson: rico, untuoso, sombreado, tátil. “Eu procuro três coisas numa fotografia: que seja memorável, que tenha um poder icónico, que tenha intensidade. Icónica é uma boa palavra para aplicar a muitas imagens minhas”, atira.
A exposição Kaos, patente no NorteShopping, em Matosinhos, até 31 de agosto, e que chega ao Pavilhão 31 do Hospital Júlio de Matos, Lisboa, em setembro, revela 30 fotografias de Albert Watson. Mas nem na exposição nem no seu acervo se encontrará uma certa imagem: a que Albert Watson falhou. “Estava a fotografar um festival de música, em 1972 ou 73, e tinha um estúdio atrás do palco onde retratava toda a gente. O Bob Dylan estava a atuar mas ia-se embora logo a seguir porque não estava a sentir-se bem. Pensei que podia falar com ele e fui até ao palco. Mas, então, atrás do palco, estacionou um camião enorme, a porta traseira abriu-se e vi aparecer o Bob Dylan rodeado de quatro [motoqueiros] Hell’s Angels. E fiz um erro pouco natural em mim: não tinha uma câmara, não tirei essa fotografia espantosa.”