A memória também pode ser sujeita a juros elevados. A expressão PIGS encheu os cabeçalhos dos jornais, quando o Financial Times divulgou, em setembro de 2008, um artigo intitulado Pigs in Muck (porcos na lama), onde era usado o infeliz acrónimo para abranger os países da Europa intervencionados ou em apuros financeiros. Não foi caso único, já que o termo apareceu igualmente em meios como o The Economist, a Time ou o Le Monde, a propósito da alegada incapacidade dos europeus do sul para sair da crise, pagar as dívidas, aumentar a produtividade. Ah, a preguiça… Ah, a dolce vita… Isto era tudo inveja, disseram alguns espíritos menos pragmáticos.
Uma exposição de artes plásticas resolveu contra atacar, com juros: PIGS assume-se como uma crítica ao “paternalismo do norte da Europa”, e uma resposta ao “discursos estereotipado da sesta, sol e praia”. Comissariada por Blanca de la Torre, reúne uma vintena de artistas de Portugal, Itália, Grécia e Espanha – incluindo os portugueses Carla Filipe, Priscila Fernandes e Vasco Araújo. A primeira, apresenta cinco desenhos da série Bordas de Alguidar, em diálogo com a Paródia e Pontos nos ii (2011), em que a artista apresenta colagens com figuras de poder e símbolos nacionais. Juntam-se-lhe cinco telas assinadas por Priscila Fernandes, como Femme aux Puits (2015), e ainda a instalação La chute vers… (2014) de Vasco Araújo – espaço que evoca quer uma sala de interrogatório quer uma dança de cadeiras.
A comissária Blanca de la Torre escreve que a exposição desenha “uma paisagem política carregada de cinismo, que se desprende do discurso paternalista – carregado de clichés e de superioridade – dos países do norte da Europa sobre os países do sul”. Acaba por ser igualmente um discurso crítico sobre a democracia, evidente em alguns dos trabalhos. Avelino Sala, artista nascido em Gijon, em 1972, evoca o poder desafiado, com a imagem de quatro escudos de proteção, semelhantes aos usados pela polícia de choque, pintados de dourado, com os símbolos das repúblicas dos países PIGS manchados por um ataque exterior.
A leitura política está também, presente em Putting right what’s gone wrong, do italiano Danilo Correale: num manifesto emoldurado, um juramento, pode ler-se um mea culpa de supostos líderes, assumindo os erros do passado, os danos feitos às pessoas, e o compromisso de mudar, começando pela afixação das desculpas pelos erros… Mas há quem prefira o humor negro e literal. É o caso do espanhol Santiago Sierra que apresenta o vídeo The iberic pensinsula devoured by pigs (A península ibérica devorada por porcos), que revela porcos verdadeiros, de quatro patas, a encherem um curral.
“Não poderemos, portanto, sugerir que dentro da própria Europa estão a utilizar-se estratégias discursivas neocoloniais em relação ao norte-sul para ampliar a brecha no imaginário cultural?”, questiona Blanca de la Torre. E a comissária acrescenta ainda uma outra interrogação: “Não se estará a utilizar a suposta incapacidade de alcançar os objetivos marcados pela austeridade alemã como desculpa para justificar um tipo de segregação baseada principalmente em estereótipos culturais?” PIGS arrisca algumas hipóteses de resposta.
Esta coletiva é uma co-produção de Atrium (Centro-Museo Vasco de Arte Contemporaneo), Galeria Municipal do Porto, Centro de Arte contemporâneo de Tesalónica (Grécia) e Es Baluard (Palma de Maiorca). Até 15 de maio, PIGS poderá ser vista no Atrium, em Vitoria-Gasteiz, Araba. Depois, viajará pelos restantes países representados, incluindo Portugal: as obras que desafiam os europeus do norte chegam à Galeria Municipal do Porto a 3 de junho, aí ficando até 21 de agosto.