Javier Cercas, 54 anos, autor espanhol nascido em Cáceres, foi o escolhido pelo júri da 17 ª edição do prémio literário português, que, esta quarta-feira, lhe atribuiu o Prémio Casino da Póvoa. Um valor de 200 mil euros que reconhece uma voz singular da narrativa europeia, atenta aos efeitos da História na Espanha contemporânea. O romance que lhe deu o galardão é exemplar do estilete virtuoso de Cerca: As Leis da Fronteira, já publicado em Portugal pela Assírio & Alvim, acerta contas com a herança franquista, os ideais de juventude traídos, a vida nos lugares à margem dos centros de decisão, as dores dos primeiros tempos de democracia, as deslealdades, num romance que percorre várias décadas.
“Por vezes, sinto-me um desmancha-prazeres, dizendo as piores coisas sobre a história do meu país”, confessava Cercas ao jornal britânico The Independent, em 2014, numa entrevista onde sublinhava que na revisão da memória efetuada nos seus livros, “há respostas mas não são as respostas dos jornalistas, dos historiadores, dos juízes”. Um espaço vazio que o autor deixa ser tingido por muitos tons de cinzento: “Esta ambiguidade é o espaço que o escritor dá ao leitor para que este se aproprie do livro… Sem ambiguidade, não há literatura. Essa é a sua magia.”
O júri composto por Carlos Vaz Marques, Helena Vasconcelos, Isabel Pires de Lima, João Rios e José Manuel Fajardo, sublinhou a atenção de Javier Cercas às grandes questões da sociedade contemporânea, que incluem a inclusão e exclusão social ou “a experiência das margens e da conflitualidade”, assim como uma “construção narrativa atenta à polifonia de vozes e aos seus modos distintos de convocação da memória”. O espanhol estará presente no Festival Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, na próxima sexta-feira: vai participar, juntamente com os autores Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Luísa Amaral, Jaime Rocha e Mário de Carvalho, na mesa-redonda que debate o tema O escritor mente, o leitor acredita.
Traduzido em mais de trinta idiomas, e já com vários galardões no currículo, nomeadamente os prémios Cidade de Barcelona, Crítica do Chile, The Independent Foreign Fiction, ou ainda o Prémio Internacional do Salão do Livro de Turim pelo conjunto da sua obra, Javier Cercas tem traduzidos em Portugal livros como Soldados de Salamina (2001), ou o agora distinguido As Leis da Fronteira (2014).
O último romance do autor espanhol lançado em Portugal, O Impostor (Assírio & Alvim, 2015), explora a história equívoca de um idoso de noventa anos, nascido em Barcelona, Enric Marco, que se fez passar por sobrevivente dos campos de extermínio nazis, recebendo glórias e compaixão. Até ser desmascarado. A humanidade é, em última instância, a verdadeira protagonista desta história. Nem sempre é fácil olharmos para a s suas zonas de sombra. Ainda bem que a escrita de Javier Cerca a ilumina.