A estreia de ‘Ninfomaníca, Parte 1’, tem a felicidade de coincidir com a bem sucedida e oportuna reposição dos filmes de Ingmar Bergman. Este é sem dúvida o filme mais ‘bergmaniano’, deste potencial candidato a mestre do cinema nórdico, que consegue suavizar um profundo drama existencial, num filme notável, ainda por cima com um leve toque de humor e sensualidade. Mesmo como é habitual fortemente carregado, pelo sentimento de culpa e misogenia. De qualquer modo teremos de nos contentar, por agora, com duas horas em cinco capítulos, de uma excitante crónica feminina, que culminará numa segunda parte, a estrear lá para o final do mês (30). Por razões comerciais, esta 2ª parte tem sensivelmente a mesma duração, que a 1ª parte. No entanto há ainda uma versão longa (director’s cut), que provavelmente passará em apenas em festivais e sessões especiais, com cerca de 5h30.’Ninfomaníaca Parte 1′, começa quase em black out e vai abrindo para o chão molhado, pela neve derretida de um beco gelado, onde está caída, na posição de Cristo pregado na cruz, uma mulher com sinais de violência, cheia de sangue e com hematomas no rosto. Não sabemos se está morta ou viva, até à chegada de um homem idoso (Stellan Skarsgard), vindo das compras, que lhe toca e a leva para sua casa. Este é o início do história de Joe (Charlotte Gainsbourg), uma mulher auto-destrutivas, à procura da redenção, um tema recorrente em vários filmes anteriores de Lars Von Trier: da Bess de ‘Ondas de Paixão’ à Elle de ‘Anti-Cristo’, ao seu último ‘Melancolia’, um filme do fim do mundo. Depois desta abertura magistral de ‘Ninfomaníaca – Parte 1’, digna de uma obra da renascença, Joe (Charlotte Gainsbourg), começa a contar Seligman (Stellan Skarsgard), um homem aberto e tolerante, entre o psicanalista e o sábio confessor, com poderes divinos para perdoar, a sua triste história de adição sexual. Enquanto este a escuta atentamente e introduz as suas considerações. A sua narrativa é feita através de vários flashbacks, (numa montagem notável), desde Joe enquanto criança, e com estranhas brincadeiras, até às suas experiências de juventude (onde é encarnada pela manequim-acriz britânica Stacy Martin). Esta narrativa vai sendo interrompida pelas sábias e oportunas incursões no conhecimento da cultura ocidental do velho Seligman: do ocultismo à metafísica, do panteísmo à mitología nórdica, da matemática (a série de Fibonacci e o número de ouro), à musicologia (Bach e a polifonía), passando pela literatura como referências ‘A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe. Com isto este provocador retrato sexual, transforma-se num perturbador e complexo puzzle cultural intercalado de momentos de sexo explícito, muito bem coreografados e naturais. Os cinco capítulos (dos 8 que compreendem o total das duas partes) traçam dolorosamente essa espiral de dependência sexual em Joe se vai precipitando de uma forma violenta e sem sensações: da perda da sua virgindade, às suas selvagens e promíscuas experiências na adolescência, dos estratagemas para dominar os homens, à frieza do seu primeiro amor, da perda irremediável do pai, a única pessoa por que sente algum afecto, ao seu relacionamento complexo com a mãe. Apesar da sua controversa personalidade, Lars Von Trier consegue reunir aqui um leque de actores notável como Shia Laboeuf, Christian Slater e Uma Thurman, num dos melhores momentos do filme, onde rouba completamente o protagonismo aos restante actores. Apesar da sua dimensão caótica e pouco linear, ‘Ninfomaníaca, Parte 1’, é um filme fascinante e uma obra perfeita, que abre uma diversidade de leituras e questionamentos. É sobretudo mais filme provocador (talvez não tanto como outros, apesar das cenas de sexo), do grande cineasta dinamarquês que vive irremediavelmente dividido entre as tentações da carne e as limitações do espírito calvinista (e antisemita) e sempre no limiar entre o bem e o mal, principalmente neste filme ambientado, pelo som explosivo dos Rammstein, a banda de hard rock, de origem alemã. Trailer em: www.youtube.com/watch?v=hi1aJYdYz0U
NINFOMANÍACA, Parte 1: SEXO COMO A NEVE DERRETIDA

Se estavam à espera de um hard core artístico e sofisticado ou mais uma obra exemplar da nova tendências do cinema actual, sobre o despertar da sexualidade, estão meio-enganados. A primeira parte desta crónica da (viciosa) vida sexual de uma mulher deprimida, tem na verdade bastantes cenas de sexo explícito de uma jovem, mas vai reflectindo-se num ensaio esotérico sobre o prazer e a dor, como nos filmes de Ingmar Bergman. Não é por acaso que o filme é dirigido pelo mais virtuoso, provocador e torturado dos realizadores nórdicos da actualidade: o dinamarquês, Lars von Trier ('Melancolia').