Quando, no início deste ano, os Ornatos Violeta anunciaram o regresso aos palcos, nos coliseus de Lisboa e Porto, nem os próprios imaginavam a bola de neve que aí começaria a crescer. Essas duas noites passaram a seis: de 25 a 27 de outubro em Lisboa, e de 30 de outubro a 1 de novembro no Porto.
Com apenas dois álbuns editados, Cão! (1997) e O Monstro Precisa de Amigos (1999) – considerado pelos ouvintes da Antena 3, numa votação promovida a propósito dos 15 anos da rádio, o melhor álbum português do período entre 1994 e 2009 -, os Ornatos nunca foram, propriamente, uma banda de grande público, mas, nos anos que se seguiram, independentemente do fim da banda (ou por causa disso…), o culto foi crescendo, em especial nas redes sociais, onde toda uma nova geração de fãs, muitos deles nascidos nos anos 90, tomou conhecimento da obra de Elísio Donas (teclados), Kinorm (bateria), Manuel Cruz (o rosto mais (re)conhecido do grupo, voz e autor de letras), Nuno Prata (baixo) e Peixe (guitarra). A primeira amostra do fenómeno aconteceu na mais recente edição do Festival Paredes de Coura, em que os Ornatos Violeta foram recebidos em total euforia por cerca de 25 mil pessoas, que cantaram, do princípio ao fim, todas as suas músicas… Horas antes desse concerto histórico, os cinco músicos falaram com a VISÃO, numa entrevista depressa transformada em diálogo entre os próprios membros da banda – como é normal entre amigos, nada ficou por dizer…
O Regresso
Manuel Cruz (MC): Foi o culminar de uma pressão positiva. De uma aglomeração de vontades de muitas pessoas…
Elísio Donas (ED): Foram as circunstâncias…
MC: A circunstância de estarmos dispostos a considerar essa possibilidade, apesar da distância em relação à época em que nos separámos. Conseguimos ver isto, não como um regresso, mas como uma celebração. Não do que fomos, mas do que somos agora…
ED: Temos um passado, que são os Ornatos, mas, entretanto, tivemos a necessidade de criar um presente. Os Ornatos foram crescendo um pouco fora de nós, sem nos darmos conta disso…
Kinorm (K): A ideia inicial era um só concerto, mas as coisas foram evoluindo e saíram do nosso controlo.
ED: Tocar num sítio como o Pavilhão Atlântico nunca foi muito o nosso estilo, pelo que a solução foi fazer vários coliseus. Decidimos agendar mais datas para que todos pudessem ir, será um pouco como as peças de teatro, que se mantêm em cena enquanto têm público [risos]…
MC: Passado todo este tempo, é bonito sentir que a nossa música é algo importante para muitas pessoas. Ao contrário de quando era mais novo, quando disfarçava a falta de confiança com uma certa vaidade e arrogância, hoje sinto-me capaz de aceitar e usufruir essa realidade. Se alguém me diz que uma música nossa foi importante em determinado momento da sua vida, só tenho de me sentir orgulhoso com isso.
O fenómeno
ED: Não tínhamos a noção exata de como seria. As pessoas à nossa volta, a família e os amigos, diziam-nos que seria assim, mas esses são sempre muito parciais. Na internet, já havia alguns sinais, mas nunca se sabe…
K: Pontualmente, entre nós, sentimo-nos muito bem com a dimensão que isto atingiu, mas depois chegamos à sala de ensaios e esquecemos tudo, só estamos preocupados em que as músicas saiam bem. Quanto ao que se passa fora dali, até é melhor não pensarmos muito nisso.
Relação
ED: Neste momento, estamos na melhor onda possível, que é estarmos os cinco de novo juntos.
K: Depois da separação da banda, cada um seguiu os seus projetos, conhecemos outras pessoas e outras realidades, mas sempre mantivemos contacto, até porque muitos de nós continuaram a tocar juntos. O Manel fez parte dos Pluto, com o Peixe. Eu e o Elísio tocámos com o Nuno… Essa rotina de partilharmos, todos os dias, a sala de ensaios é que deixou de existir e, como é natural, afastámo-nos um pouco…
Peixe (P): Mas nunca apagámos os números de telefone uns dos outros [risos]…
ED: Como todas as pessoas, temos de trabalhar para ganhar a vida e isso, às vezes, não deixa muito tempo para estar com os amigos… Mas, pontualmente, voltávamos a estar juntos, os cinco. Agora é fantástico reunirmo-nos outra vez, todos os dias da semana, para tocarmos…
Rotinas
ED: Nós não recuperámos as rotinas, criámos outras, mais saudáveis. E ainda bem que assim foi, porque somos outras pessoas. Agora, só ensaiamos de manhã e à tarde, já não tocamos noite fora. E, em vez de, depois, irmos para os copos, vai cada um para sua casa…
MC: O mais importante foi sentir que havia sintonia entre nós, porque isso significa que estamos bem uns com os outros. Como tocámos muito tempo juntos, a nível técnico, este regresso seria sempre fácil, mas depois há o outro lado. E a verdade é que nos continuamos a divertir muito quando estamos juntos, rimo-nos das mesmas parvoíces, ainda gostamos de jogar matraquilhos, até temos uma mesa no estúdio [risos]. A minha dúvida residia em saber como é que a música ia soar agora, porque, quer queiramos quer não, somos pessoas diferentes. As nossas ansiedades, hoje, são diferentes das de há 15 ou 20 anos. Temos outro modo de ver o mundo… E isso sente-se na música… No início, ainda ouvi os discos, mas, depois, desisti, porque não me queria colar ao registo do passado e tinha de deixar de ter medo de já não ser aquilo que era, na altura. Não queria imitar-me, mas sim tirar prazer das músicas agora. E isso aconteceu.
ED: Conhecemo-nos muito bem e isso é uma vantagem em palco. Basta-me olhar para cada um deles para saber o que estão a sentir…
A separação
MC: Aconteceu, porque éramos uns putos a crescer para a vida, que se viram obrigados a assumir responsabilidades para as quais não estavam preparados. A questão do dinheiro, por exemplo… Hoje sabemos que, de uma forma ou de outra, acabamos sempre por nos desenrascar, mas, na altura, a perspetiva do futuro era uma preocupação. Foram esses medos que determinaram a separação… Estávamos numa situação em que não conseguíamos dar uma resposta comum, enquanto grupo. Havia várias perspetivas individuais, mas nenhuma coletiva. Agora percebo que fizemos o correto, neste tipo de situações – que, seja numa banda seja num casamento, é cada um seguir o seu caminho. Continuarmos juntos teria sido um erro…
ED: Acima de tudo, foi o cansaço… Foram onze anos juntos, em que vivemos tudo de forma muito intensa. Chegámos ao cúmulo de morar juntos… Dormíamos a um metro uns dos outros, depois íamos tocar e, no regresso, tirávamos à sorte quem ia lavar a loiça… Era uma coisa doentia, pior que um casamento, porque nem sequer havia sexo [risos]… Hoje, estamos juntos porque nos apetece e não porque sejamos obrigados a isso.
Nuno Prata (NP): Mas também acabámos por causa da música. Eu, pessoalmente, queria fazer outras coisas, já não me via a encaixar nos Ornatos…
ED: Começámos a querer impor as nossas ideias aos outros…
MC: E, a partir do momento em o dinheiro entra na equação, tudo se torna mais difícil. Enquanto as coisas não dão dinheiro, não há qualquer tipo de pressão… Mas, depois, era a escolha do single para passar nas rádios, eram os alinhamento dos concertos, era a obrigação de editar de dois em dois anos…
ED: Tínhamos de justificar as nossas decisões perante muita gente e hoje isso não acontece… Antigamente, éramos só os Ornatos, mas hoje o nosso mundo é muito maior, todos temos os nossos próprios projetos, tocámos com muita gente e agora trazemos tudo isso para a banda… Estamos juntos apenas porque nos apetece tocar em conjunto…
P: Para mim, o fim dos Ornatos foi um período muito doloroso, mas, enquanto músico, foi o melhor que me aconteceu, pois permitiu-me diversificar a minha atividade.
Novidades?
P: Para já, não há nada novo… Fizemos uma ou outra jam session, em estúdio, mas ainda não gravámos nada.
ED: Às vezes provocamo-nos…
NP: Mas não faz parte dos planos… Quando vejo alguém a inventar algo novo até fico assustado… Digo logo que estamos a perder tempo e devíamos era estar a ensaiar para o espetáculo [risos].
MC: Se essa vontade existir, acabará por acontecer. Mas, se acontecer, já não será Ornatos Violeta, será outra coisa qualquer…