JL: A escrita de António Lobo Antunes é difícil passar ao cinema. Que solução encontrou?
Solveig Nordlund: Limitei-me de certa maneira à história. Usando uma certa liberdade no tempo e no espaço, tentei imitar a técnica que ele tem de partir de uma personagem para outra, sem grande explicação ou transição. Mas claro que não é como no livro. Quando escreve ele muda de personagem a meio de uma frase. O meu cinema é realista, por isso não seria possível, a não ser que fizesse um filme mais experimental. Mas isto é só uma história contada com frases de Lobo Antunes e, nos momentos mais emocionais, dou-me a liberdade de passar de uma coisa para outra sem mais.
Tentou, de alguma forma, transpor para uma linguagem cinematográfica essa riqueza e densidade que Lobo Antunes dá às personagens?
Sim, claro. Tentei dar-lhes riqueza. Estas coisas também têm a ver com o ator que se consegue, os aspeto físico, por isso não são as personagens do livro, mesmo por razões físicas.
Usa atores diferentes para a mesma personagem, consoante a idade. Não seria possível manter os mesmos atores com outra caracterização?
De início tinha a ideia de mater sempre o mesmo, mas optei por escolher atores diferentes. Acho que foi uma escolha acertada, porque em diferentes idades ninguém é a mesma pessoa. Não adianta a maquilhagem, assim funciona melhor.
A Morte de Carlos Gardel não é dos livros mais vendidos e mais falados de Lobo Antunes. Porque quis adaptar esta obra?
Quando conheci o Lobo Antunes e comecei a fazer um documentário sobre ele, era o livro tinha acabado de sair. Julgo que isso deve ter tido alguma influência. Acho que este é o seu romance mais cinematográfico, em que se pode seguir uma evolução de uma situação, como tem que ser no cinema não experimental. Aqui há uma evolução de acontecimentos que é necessária.
Houve alguma contribuição de Lobo Antunes durante o processo do filme?
Não. A única coisa que ele disse é que eu podia utilizar o andar em que tudo se passou. . A casa onde a família vive é a de infância do próprio Lobo Antunes. Por isso, eu tentei adaptar a história ao seu universo de forma mais concreta.
Fez dois documentários sobre Lobo Antunes. Até que ponto é que o conhecimento que tem da obra e do escritor facilitou a entrada no seu universo?
As pessoas julgarão se eu entrei, se eu percebi bem o seu universo. Senti-me à vontade a adaptar, com respeito pela obra inicial, mas com toda a liberdade, também por causa do conhecimento que tenho na sua escrita.
Como foi filmar Lobo Antunes no documentário que se estreou há dois anos?
Foi fácil. As pessoas têm algum medo dele, por causa daquele temperamento e de ser às vezes um pouco resmungão, mas comigo nunca foi assim. Quando quer é um homem encantador. E, no documentário, ele mostra-se muito generoso, dá o seu melhor lado. Gostei de trabalhar com ele.
Ele já viu esta adaptação ao cinema?
Não. Está muito ocupado a terminar um livro, mas espero que esteja presente na sessão especial.
Acha que o seu filme pode facilitar a leitura do livro?
Sim. O filme é muito mais acessível do que o livro. Complementam-se. O jovem ator que faz de Nuno leu o livro enquanto estava a fazer o filme e encontrou imensa riqueza, que talvez não tivesse descoberto sem a ajuda do filme.
Qual é o seu próximo projeto?
O tempo não está muito bom para projetos. Ideias tenho, não sei se alguma vez as poderei concretizar. Para ter um projeto de filme de ficção é preciso apoio, um documentário talvez seja mais fácil. No teatro tenho várias coisas concretizáveis. Vou repor em novembro no Teatro de Almada a peça Do Amor, de Lars Nóren, que é um dramaturgo sueco. Em 2012, vai estrear uma outra peça no D. Maria.