O que lhe passou pela cabeça quando concebeu este filme?
Estávamos a meio da década, e eu limitei-me a espetar a cabeça e olhar para a paisagem pós-moderna, cheia de construções e demolições, tão diferente do que tinha sido antes, na viragem do milénio. Na altura, estava a ler da Mãe do Gorki…
Que aparentemente não tem nada a ver….
Pois não, fala da revolução soviética. Mas nós também atravessamos uma revolução digital… O filme é apolítico, acho eu…
Porque é que diz “acho eu”?
As pessoas é que me vão dizer o que é que o Cinerama é. Eu tenho a minha visão, estou à espera de outras.
O filme começa com um esquema narrativo linear, em que se consuma um sequestro, mas depois passa-se para um registo completamente diferente…
É isso que acontece na vida real, não é? Vemos acções inconsequentes todos os dias na televisão, como no caso Casa Pia… As narrativas da vida são interrompidas. É absurdo, mas à imagem dos dias de hoje.
Na segunda parte, há umas personagens que parece que estão a brincar aos contabilistas?
E o que é que nós somos senão miúdos sempre a brincar às profissões?
E aqueles vultos, silenciosos, que passam em fundo a fazer parcour?
São uma espécie de interferência da intemporalidade…
Porque é que têm dificuldade em falar em histórias quando se refere ao seu filme?
Porque as pessoas devem ser alertadas para aquilo que vão ver. Tudo o que é narrativo está a ser explorado mais pela TV. Na verdade, vou mais ao teatro do que ao cinema. Inspiro-me mais em criações e na força do acto criativo e dos meios auto-conscientes do que em filmes. Cinerama é um filme que se auto-destrói e imola, como uma película que se queima.