O Tenente-Coronel Médico António Gandra d’Almeida, 44 anos, foi anunciado nesta quarta, 22, como o novo diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), em substituição de Fernando Araújo que, a 23 de abril, pediu a demissão do cargo. Estará na frente de combate da reforma do SNS, iniciada pelo anterior executivo e ainda com muitos passos por concretizar. “Tem um curriculum que fala por si. É um médico militar, um homem muito habituado à organização e à operação no terreno, trabalhou também na emergência médica”, disse a Ministra da Saúde, nesta manhã, em declarações aos jornalistas. Entre as maiores virtudes apontadas por Ana Paula Martins, está “uma visão para o SNS que cumpre aquilo que o estatuto do SNS define para a direção executiva, que é no fundo garantir uma articulação, potenciar a capacidade do SNS e das suas unidades de saúde trabalharem em rede”.
Atualmente, Gandra d’Almeida é Comandante do Agrupamento Sanitário do Exército Português e mantém atividade assistencial hospitalar e pré-hospitalar. Mas já esteve colocado em diferentes unidades e órgãos do Exército e no Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) com funções de chefia e de coordenação. No comunicado divulgado pelo Ministério da Saúde, acrescenta-se que o novo CEO do SNS é licenciado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, tem formação complementar na Academia Militar, uma Pós-Graduação em Saúde Militar, o mestrado European Master in Disaster Medicine e a especialidade em Cirurgia Geral, bem como a Competência em Gestão de Serviços de Saúde, Emergência e Medicina Militar pela Ordem dos Médicos. Da sua folha de serviços constam seis louvores, concedidos por membros do Governo e por altas patentes das Forças Armadas. Tem experiência em várias áreas do INEM, incluindo a instalação e coordenação da VMER do Barreiro, e como chefe de equipa em serviços de urgência. Na sua família, com origens minhotas (o pai é de Vieira do Minho e a mãe de Ponte da Barca), pertence à terceira geração de médicos.
No final de 2021, António Gandra d’Almeida ocupou o cargo de diretor regional do Norte do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), tendo sido afastado a 31 janeiro último. “Aquando da sua entrada, esta delegação estava com imensos problemas e ele fez um trabalho de louvor, quer ao nível de recursos humanos, quer ao nível material, por isso foi com elevada estupefação que, na altura, recebemos a notícia do seu afastamento, sendo que nunca foram conhecidas as razões”, afirma Paulo Paços, dirigente da Associação Nacional dos Técnicos de Emergência Médica (ANTEM). “Segundo relatos de camaradas do Norte, é uma pessoa extremamente competente, fácil de dialogar e muito metódica”, acrescenta, acolhendo agora “com elevada esperança” a sua escolha como CEO do SNS. Testemunho igualmente elogioso é prestado por Rui Lázaro, Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH): “Quando agarrou na delegação do Norte do INEM, esta era a que tinha mais problemas e passou a ser a que funcionava melhor no País”.
No comunicado do Ministério da Saúde divulgado nesta manhã, especifica-se ainda que a restante equipa da direção executiva do SNS será anunciada “em breve” e que estes elementos serão “submetidos à Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CreSAP)”.
No campo de batalha
Espera-se que o planeamento e a experiência adquirida em missões façam do tenente-coronel uma arma preciosa na luta por uma melhor Saúde. Pela frente, António Gandra d’Almeida terá muitas batalhas. Em jogo está aquela que foi anunciada pelo anterior executivo como uma das maiores reformas do SNS, nos seus 45 anos de existência, em termos organizacionais.
Desde logo, há duas semanas, Marcelo Rebelo de Sousa não assinou o diploma promulgado pelo anterior Governo, quando estava em gestão, que extinguiu as cinco administrações regionais de Saúde (ARS), por considerar que cabia ao novo Executivo tomar a decisão. Mas este parece ser um ponto sem retorno e a extinção das ARS deverá mesmo avançar, assim que possível, até porque o PSD já tinha manifestado anteriormente a vontade de o fazer.
O impasse fez com que as dificuldades operacionais se acumulem no terreno. “Oficialmente, a extinção não chegou a acontecer, mas muito do trabalho e das tarefas das ARS foram transferidos, de facto, a 1 de janeiro. Agora temos dificuldades básicas, como o acesso aos sistemas informáticos das ARS, para transporte de doentes ou para compra de fármacos, tivemos falhas com as vacinas, ou para gestão dos indicadores para pagar aos profissionais”, explicou ao Expresso Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. Quanto à mobilidade dos profissionais das ARS, “pessoas que deviam ter transitado para as ULS ainda não foram, mas as tarefas que executavam já”, criticou.
Em comunicado, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) alertou também para o facto de a generalização do modelo de ULS e a extinção das ARS estarem “a provocar falhas, erros e atrasos nos pagamentos aos médicos de família e restantes elementos das equipas de saúde familiar por todo o país”. Em causa estão alterações nos incentivos associados à lista de utentes.
Por concretizar, está também a nomeação de órgãos de gestão dos hospitais e centros de saúde, que Fernando Araújo qualificou como “um fardo”, ao ser ouvido hoje pela Comissão Parlamentar de Saúde – uma audição pedida pelo PS, quando do seu pedido de demissão. “Não era ético e adequado estar a nomear pessoas para funções de três anos quando não se sabia qual o plano de quem viria a seguir do ponto de vista de visão para o SNS”, defendeu. Aliás, esta nomeação dos dirigentes do SNS deverá ser umas das competências retiradas da esfera da Direção Executiva do SNS quando o novo governo proceder à reformulação das competências daquele organismo.
Próxima está ainda a temporada balnear, que tanta pressão exerce sobre o SNS. “Quando entrou o novo Governo e a nova ministra, tínhamos um plano preparado para os próximos meses, que tinha um conjunto de medidas preparadas para enfrentar este Verão e o próximo Inverno de forma articulada e bem organizado. É verdade que não o quisemos colocar no terreno – e expliquei isso à senhora ministra – por várias razões”, afirmou Fernando Araújo, na audição Comissão Parlamentar de Saúde, nesta manhã. “Não fazia sentido aplicar uma fórmula quando havia vontade de aplicar uma reforma diferente e a ministra aceitou”, explicou.
Recorde-se que, em abril, a Ministra da Saúde tinha solicitado um relatório com as principais medidas adotadas pela Direção Executiva do SNS – o órgão diretivo, de representação e de mais elevada responsabilidade de gestão do SNS, a quem competia coordenar a resposta assistencial das diferentes unidades de saúde e modernizar a sua gestão -, que lhe foi entregue ontem por Fernando Araújo (um documento de 600 páginas, feito em metade do tempo conferido pela Ministra), antes de abandonar o cargo que assumiu a 1 janeiro de 2023, sem revelar publicamente as razões para a saída. No pedido de demissão, o antigo diretor executivo salientou, contudo, que o órgão que representava “é um órgão técnico, que tem de estar acima questões políticas ou agendas partidárias e que executa políticas públicas determinadas pelo Governo, do qual tem de merecer a confiança”.
“Nunca tivemos conhecimento do plano estratégico do novo Ministério, isto não é uma crítica, é factual”, confessou Fernando Araújo, no final da audição parlamentar.