Pela primeira vez, a memória dos únicos mortos do 25 de Abril de 1974 foi evocada numa cerimónia oficial de celebração da data. A iniciativa partiu do atual presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar Branco, assinalando, no seu discurso, esta quinta-feira, que Fernando Giesteira, Fernando Barreiros dos Reis, João Arruda e José Barneto “foram as últimas vítimas da polícia política do regime e é tempo de dizer os seus nomes nesta sala”.
Nos 50 anos do 25 de Abril este foi o ponto alto da cerimónia que decorreu na Assembleia da República. José Pedro Aguiar Branco anunciou ainda que as famílias dos quatro homens que morreram junto ao edifício da PIDE, na rua António Maria Cardoso, em Lisboa, foram convidadas para a cerimónia, estando presente a família de Fernando Barreiros dos Reis. Todos os grupos parlamentares levantaram-se e aplaudiram.
Como tem sido habitual nos últimos anos, a cerimónia de celebração do 25 de Abril tem sido utilizada pelos partidos para marcar diferenças em relação à data em si e ao futuro de Portugal. Esta cerimónia acabaria por ficar ainda marcada pelas declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, num encontro com jornalistas estrangeiros, nas quais Marcelo admitiu que Portugal deve reparar os erros da descolonização.
Paulo Núncio, deputado do CDS/PP, eleito pela coligação Aliança Democrática, foi o protagonista de um dos discursos mais controversos da cerimónia, aproveitando a celebração do 25 de Abril para, ao mesmo tempo, invocar a memória do 25 de novembro, saudando a iniciativa do governo em criar uma comissão para celebrar “os 50 anos do 25 de novembro” de 1975, o que acontecerá no próximo ano. O deputado referiu ainda que “Portugal não mudou de regime para ter a taxa de emigração de jovens mais elevada da Europa e uma das maiores do mundo” nem para “promover o suicídio assistido e a eutanásia”.
O deputado do CDS referiu ainda que – ao contrário do que o Presidente da República defendeu num encontro com jornalistas estrangeiros – Portugal não deve fazer um ato de contrição pelo colonialismo: “No CDS não sentimos necessidade de revisitar heranças coloniais, não queremos controvérsias históricas nem deveres de reparação que parecem importados de outros contextos fora do quadro lusófono. A História é a História, e o nosso dever é o futuro.”
Ainda da direita, Marcelo Rebelo de Sousa ouviu mais críticas. André Ventura, falando de improviso, acusou-o de trair os Portugueses. “Tenho orgulho na nossa história, amo a história do nosso país e o senhor Presidente também devia amar”, gritou do púlpito.
Antes do líder do Chega, Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal, tinha criticado o Presidente, considerando que quem declara ser obrigação de Portugal “indemnizar terceiros” pelo passado, está a atentar “contra os interesses do país” e a reduzir-se “à função de porta-voz de sectarismos importados”.
Rui Tavares, deputado do Livre, bem tentou enaltecer o carácter único da revolução portuguesa, partilhando a história pessoal da sua mãe – que servia na casa de um brigadeiro – e deixando uma receita para um futuro de tolerância: ter desejos políticos. Num dos discursos mais aplaudidos da manhã, Rui Tavares sugeriu a construção de uma estátua que tanto “pode ser à Celeste, a mulher que distribuiu cravos e criou um símbolo que correu o mundo”, ou destinada a “homenagear as mulheres que, como as funcionárias que esta manhã encheram a sala [onde decorre a cerimónia] de cravos”.
Já Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, recordou que Portugal antes de 1974 era um “país de cidadãos de segunda e onde as mulheres eram cidadãs de terceira; onde o acesso à saúde dependia da carteira; onde a educação era um privilégio para uma minoria; onde a protecção na velhice era residual; e onde a justiça não existia, sobrando a arbitrariedade e o abuso”. Para o líder socialista, a revolução trouxe um país com direito de voto, sem medo de pensar, uma ideia de país e “comunidade democrática, de povo, de prosperidade e de futuro”.
O PSD, por sua vez, optou por uma jovem deputada para celebrar os 50 anos do 25 de Abril. Ana Gabriela Cabilhas apelou à elevação do debate político, “convocando a tolerância e o diálogo para a actividade parlamentar” e rejeitando “soluções simplistas para desafios complexos” e “jamais tratando os extremismos com mais radicalismo” e contra “qualquer revisionismo histórico de saudade soviética”.
“Injusto comparar o incomparável”
Após uma longa aula de História contemporânea, na qual evocou Mário Soares, Álvaro Cunha, Francisco Sá Carneiro, entre outros, o Presidente da República considerou não existir “outra revolução ou golpe militar” na “nossa história contemporânea”. “Nenhum outro império europeu moderno enfrentou tantos desafios ao mesmo tempo”, afirmou, acrescentando que “é injusto comparar o incomparável”.
“Apareceram novas ideias, novos movimentos, novos partidos, novos parceiros, novos problemas sociais a somar aos antigos e desafios externos. Muito parece ser já de outros tempos ou de precisar de um impulso de novas gerações, ideias e pessoas. É inevitável e é bom que assim seja”, referiu ainda Marcelo Rebelo de Sousa.
O Presidente salientou, contudo, que, entre essas de ideias, algumas parecem “mais passado do que futuro”, sublinhando que se deve “tomar o que de mais forte tem Abril e com isso ir recriando Portugal”.