Se é verdade que num determinado momento uma canção da minha autoria (Grândola, Vila Morena) se transformou numa espécie de hino da Revolução, também é certo que eu me encontrava de tal maneira comprometido com o momento político que estávamos a viver que esse aspeto me passou, inicialmente, despercebido. Sentia que era uma obrigação minha estar presente em determinados locais onde as coisas aconteciam com uma velocidade vertiginosa – coisas importantes, como a libertação dos presos políticos em Caxias ou a ocupação de uma casa que depois era transformada em clínica popular… Foi de tal ordem a necessidade que eu experimentava de trabalhar em conjunto com os outros que cheguei a esquecer-me de que era cantor. Mentiria, porém, se não reconhecesse que o facto de a Grândola se ter tornado naquilo em que se tornou me deu uma certa alegria. O momento era, porém, tão intenso e a urgência de fazer coisas tão grande que não tinha tempo para cantar. Nem para fazer mais nada!
Na madrugada de 25 de abril de 1974, não ouvi a rádio passar a Grândola como senha do movimento. Soube desse facto através de um indivíduo chamado Mário Reis, que mo contou por volta das seis ou sete horas da manhã. Havia então, como se sabe, uma grande caça aos antifascistas, e eu, que tinha fugido de casa por razões muito concretas, encontrava-me nessa noite em casa de um amigo. Fiquei então a escutar a rádio, ouvi as comunicações pedindo às pessoas que não saíssem à rua. Resolvi fazer exatamente o contrário: ao fim de duas horas, saí, e andei quatro dias e quatro noites fora de casa.