Tal como os grandes jogos de futebol se podem decidir num ou noutro pormenor também o processo judicial que opôs José Berardo, na qualidade de presidente da Fundação Berardo, ao Estado, que ordenou a sua extinção, foi decidido com base numa pequena omissão legal que, no final, fez toda a diferença. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal anulou a extinção da fundação, porque quem a ordenou, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, não tinha competência legal para o fazer.
É preciso recuar a março de 2022 e à tomada de posse do atual governo. Segundo a Lei Quadro das Fundações, compete ao primeiro-ministro, “com a faculdade de delegação”, a competência para reconhecer as fundações privadas. A 22 de maio, por despacho, António Costa delegou esta competência na ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva que, um dia depois, a subdelegou no secretário de Estado André Moz Caldas.
E foi, precisamente, ao abrigo desta competência que, a 11 de julho de 2022, e após um relatório da Inspeção Geral de Finanças, André Moz Caldas determinou a extinção da Fundação José Berardo.
Só que o juiz do Tribunal do Funchal, para o qual Joe Berardo recorreu do ato do secretário de Estado, considerou que a sucessiva delegação de competências feita pelos governantes apenas se aplica ao reconhecimento das fundações e não à sua extinção. “Para operar à delegação e a subdelegação, seria, por isso, necessária a prática, por parte do primeiro-ministro, de um ato concreto de delegação de poderes na ministra da Presidência com a explícita especificação da competência em matéria de extinção de fundações de solidariedade social e, subsequentemente, de um ato de subdelegado desta ministra no secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, o que não ocorreu na situação em litígio”.
Por isso, considerou o juiz Eurico Gomes, André Moz Caldas “exerceu uma competência alheia, sem que estivesse habilitado para esse efeito”. Entretanto, fonte da Presidência do Conselho de Ministros já anunciou a intenção do Governo de recorrer da decisão judicial.
Segundo o juiz Eurico Gomes, o relatório da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), que esteve na base da decisão do Governo, centrou a análise na gestão patrimonial e na situação económico-financeira da fundação entre 2007 e 2018, apesar de esta entidade ter sido criada em 1988 e formalmente reconhecida no final do ano seguinte. Dessa forma, apenas foram analisados 12 dos 32 anos de existência da Fundação José Berardo, nomeadamente o período entre 2015 e 2017.
“Ainda que as situações de facto identificadas no relatório de auditoria possam consubstanciar a prática, por parte do órgão de gestão, de vários atos em violação do dever de prudência na gestão dos recursos patrimoniais da fundação e em violação dos fins estatutários (…), a verdade é que (…) não se pode afirmar que a atividade globalmente desenvolvida pela Fundação requerente, durante os seus 32 anos de existência, se desviou, de forma permanente, reiterada e sistemática, dos fins de interesse social”, referiu.
A extinção da Fundação José Berardo foi declarada na sequência do relatório da Inspeção-Geral das Finanças, de 2019, no âmbito da Lei-Quadro das Fundações e efetivou-se porque “as atividades desenvolvidas [por esta instituição] demonstram que o fim real não coincide com o fim previsto no ato de instituição”, como define o despacho assinado por André Moz Caldas.
A Fundação José Berardo, criada no Funchal em 1988, foi um instrumento na gestão dos negócios do empresário, através da qual contraiu dívida, nomeadamente para a aquisição de ações do Millennium BCP, estando na base de processos judiciais contra o empresário madeirense.
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