Após termos explicado tudo sobre o carregamento de veículos elétricos em casa, vamos agora analisar os carregamentos em espaços públicos, com destaque para a rede MOBI.E.
Artigo originalmente publicado na Exame Informática 297 (março, 2020)
O que é a MOBI.E?
Há algumas confusões sobre a MOBI.E. Muitos acreditam ser um operador de carregamento. Mas não é. Atualmente, a MOBI.E define-se como “uma empresa pública que, por indicação da tutela assegura a gestão dos fluxos energéticos e financeiros resultantes das operações da rede de mobilidade elétrica”. Ou seja, esta é a entidade responsável pela gestão dos carregadores da rede com o mesmo nome, o que inclui a componente de registo e comunicação dos consumos aos operadores.
A confusão é natural porque inicialmente os postos de carregamento público eram operados pela MOBI.E – consequência de esta entidade ter sido a responsável pela implementação da rede piloto. No entanto, desde 1 de junho deste ano que toda a rede passou a ser explorada comercialmente, com a atribuição dos Postos de Carregamento Normal aos operadores.
Uma das características diferenciadoras desta rede é a universalidade e… a obrigatoriedade. Segundo a regulamentação atual, todos os postos de carregamento de veículos elétricos (VE) de acesso público em Portugal têm de ser geridos pela MOBI.E. A vantagem é que há garantia de interoperabilidade. Na prática, isto significa que todos os cartões usados para autenticar os utilizadores nos postos podem ser usados em todos os postos da rede. Semelhante ao que acontece no Multibanco, onde todos os cartões dos bancos pertencentes à rede MB podem ser usadas em todas as máquinas ATM deste ecossistema.
A quem peço o cartão?
Há três entidades envolvidas na rede MOBI.E: a própria MOBI.E, que gere as transações/consumos, os Operadores dos Postos de Carregamento (OPC) e os CEME (Comercializadores de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica). São estes últimos que emitem os cartões de acesso (a MOBI.E já não emite cartões) e são a estes que faturam os consumos aos utilizadores.
Uma das maiores críticas dos utilizadores é a impossibilidade de pagar os consumos diretamente nos postos, obrigando à utilização do cartão. De facto, a cobrança é mais parecida à que estamos habituados em nossas casas em serviços como eletricidade e água, do que a que estamos habituados nos postos de combustível tradicionais.
Sempre que um utilizador usa um cartão para ativar um carregamento de um veículo elétrico num posto de carregamento, a energia consumida e o tempo de carregamento são comunicados ao CEME, que adiciona o consumo à conta do utilizador. Depois, a fatura chega a casa ou à empresa do utilizador, com a descrição dos carregamentos e de todas as parcelas. Isto porque além do valor de energia cobrada pelo CEME (preço por kWh), há que contar com o valor cobrado pelo OPC pela utilização do posto e algumas taxas. O que complica um pouco a forma de calcular os custos associados a um carregamento. Como acontece com a escolha da empresa que fornece a energia elétrica às nossas casas, cabe ao utilizador escolher o CEME de sua preferência (ou mais do que um) em função das condições oferecidas. Por exemplo, pode haver vantagens em escolher um CEME que também seja o nosso fornecedor de energia para casa porque isso pode originar alguns descontos.
É importante reforçar que a única relação comercial dos utilizadores da MOBI.E é com o CEME. É este que cobra ao utilizador o total dos carregamentos, incluindo a parcela referente à utilização dos postos (OPC) e taxas (impostos). O cálculo do custo de carregamento varia em função da conjugação das seguintes variáveis: taxa de utilização do posto (um valor fixo por utilização), energia utilizada (kWh) e/ou tempo de carregamento. Em regra, a parcela cobrada pelo OPC está disponível nos postos, embora já tenhamos verificado que isso nem sempre acontece. Os valores cobrados pela energia do CEME estão no contrato estabelecido com o utilizador e podem ser consultados nos respetivos sites. Mas, para que fique claro, repetimos: o utilizador só paga ao CEME que, na fatura, tem de incluir todas as parcelas mencionadas.
Carregamentos: do lento ao rápido
A rede MOBI.E é constituída por diferentes tipos de carregadores. Os mais antigos, já muitas vezes em estado de degradação, oferecem uma potência de carregamento em corrente alternada de cerca de 3,7 kW (monofásico de 16 amperes e 230 volts). Depois há outras variações de postos definidos como de carregamento normal (PCN). Os mais recentes, que têm vindo a ser instalados mais em zonas urbanas, podem chegar aos 22 kW (trifásico, 32 amperes e 230 volts). Caso não esteja por dentro desta terminologia, explicamos tudo no guia anterior.
Como todos os PCN utilizam corrente alternada, as regras são as mesmas que já indicámos na edição passada relativamente aos carregamentos em casa: é o carregador interno do VE que transforma a corrente alternada em corrente contínua para as baterias. O que significa que a potência/velocidade máxima de carregamento varia não só em função do posto, mas também em função das características do carregador interno do VE. Por exemplo, um carro elétrico com carregador interno de 7,4 kW (monofásico de 32 amperes) só vai conseguir carregar a esta potência mesmo que o posto disponibilize 22 kW. Nestes postos, o utilizador tem de usar um cabo para ligar os postos ao veículo. O mais comum é conhecido por Type 2.
Os Postos de Carregamento Rápido (PCR) permitem potências de carregamento muito superiores e, consequentemente, maiores velocidades de recuperação de autonomia. Nos PCR da rede MOBI.E existem três cabos com os seguintes formatos de fichas: Chademo, CCS e Type 2. Os dois primeiros são de corrente contínua (ligam-se diretamente à bateria do veículo) e o Type 2 utiliza corrente alternada, o mesmo tipo disponível nos PCN, mas com potência muito mais elevada (até 43 kW).
A maioria dos carros elétricos utiliza carregamento rápido através de corrente contínua, sendo que o Chademo é o formato originário do Japão e, como tal, é usado pelo Nissan LEAF e alguns outros carros vindos do oriente, e o CCS é o formato padrão da Europa e usado pela maioria das marcas (incluindo os Tesla Model 3). Quanto ao carregamento rápido via Type 2, há poucos carros que suportam as potências mais elevadas, com destaque para algumas versões do Renault ZOE.
Qual a velocidade de carregamento?
A velocidade a que se recupera a autonomia num VE quando a usar um carregador público depende de vários fatores, com destaque para a potência disponibilizada pelo posto de carregamento e para as potências máximas suportadas pelo VE (diferentes para corrente alternada, usada pelos Postos de Carregamento Normal, e para corrente contínua, usada pelos Postos de Carregamento Rápido).
Por exemplo, para um Nissan LEAF com um consumo real, já a considerar algumas perdas no processo de carregamento, em volta dos 15 kWh/100 KM, a velocidade de carregamento num posto público varia entre cerca de 25 km por hora quando a usar um PCN de apenas 3,7 kW a mais de 300 km/h quando a usar um PCR de 50 kW (a potência máxima suportada pelo LEAF e pelos PCR atualmente disponíveis na MOBI.E).
É importante sublinhar que velocidade máxima não se mantém durante todo o carregamento porque varia em função de fatores como a percentagem de carga (a potência máxima suportada vai baixando quando o nível de carga da bateria aproxima-se dos 100%) e a temperatura da bateria. Para ter uma ideia da velocidade máxima de carregamento em quilómetros por hora, recomendamos que use a seguinte fórmula: potência de carregamento (em kW) multiplicado por 100 e dividido pelo consumo em kWh/100 km. Exemplo: para um carro com um consumo médio de 13 kWh, o carregamento feito a uma potência de 7,4 kW será, aproximadamente, 7,4×100/13=56,9 km/h. Atenção que a potência de carregamento é a máxima suportada pelo “elo mais fraco” da equação: o VE ou o carregador. De outro modo, mesmo que o carregador tenha uma potência máxima de 150 kW, se o carro só suportar um máximo de 50 kW, será este último o valor a utilizar na equação sugerida.
Como usar os postos MOBI.E
- Pedir o cartão de acesso aos postos a um ou mais CEME (cada utilizador pode ter vários cartões em função das condições oferecidas). O site da MOBI.E tem uma lista atualizada destes comercializadores que, em regra, permitem o pedido do cartão online ou via telefone. Na app Miio é possível pedir o cartão da Miio, que também jé é CEME.
- Verificar, de preferência antecipadamente, as condições de carregamento dos postos que pretende usar (tomadas disponíveis, custos e utilização). Para o efeito, recomendamos a utilização da app da MOBI.E ou, melhor ainda, a Miio, que até permite fazer simulações de carregamento para se calcular o custo previsto. Estas apps estão disponíveis para Android e iPhone.
- Usar o cartão para ativar o posto e iniciar o carregamento – em Postos de Carregamento Rápido, os cabos estão incluídos no posto, mas nos Postos de Carregamento Normal o mais comum é o utilizador ter de recorrer a um cabo Type 2 (fornecido com a maioria dos carros elétricos). É necessário usar o cartão mesmo em postos de utilização gratuita.
- Usar o cartão para encerrar o carregamento
- O valor a pagar será faturado ao utilizador, normalmente através de débito bancário, pelo CEME.
E quanto custa?
O valor pago pelo carregamento varia, naturalmente, em função do consumo real do VE, incluindo perdas, e, como já foi referido, do valor cobrado pela utilização do posto e/ou pela energia. Alguns espaços comerciais, incluindo hotéis e restaurantes, disponibilizam postos ou tomadas de cortesia instalados. Para calcular o preço, recomendamos a utilização da app Miio, que também permite verificar a disponibilidade dos postos.
Em regra, os postos de utilização mais cara da MOBI.E são os PCR, onde o valor pode ficar próximo da utilização de carros a gasolina ou gasóleo equivalentes. Normalmente, os PCN (Postos de Carregamento Normal) são de utilização mais económica, mas depende muito dos operadores escolhidos e até das características do carro – por exemplo, em postos onde o carregamento é cobrado em função do tempo, os carros que carregam mais devagar (suportam menos potência de carregamento) são, naturalmente, prejudicados.
Outras redes
A regulamentação nacional é clara quanto à exclusividade da MOBI.E em carregamentos em espaços públicos, incluindo espaços privados de acesso público (parques de estacionamento de superfícies comerciais sem controlo de acesso, por exemplo). No entanto, existem outros operadores que disponibilizam postos de carregamento em espaços de acesso privado. O exemplo mais evidente é a Tesla, que tem já várias estações Supercharger em Portugal, cada uma delas com 8 a 14 vários carregadores, já atualizados para a potência máxima de 150 kW. Carregadores exclusivos para carros da marca – apesar das fichas serem as mesmas, não é possível carregar qualquer outro VE não Tesla nos Supercharger. A rede de carregadores Tesla conta ainda com os Destination Charger (até 22 kW), que já ultrapassou as 150 localizações em Portugal. Regra geral, nestes carregadores há pelo menos uma tomada Type 2 que pode ser usada por qualquer VE, mesmo que não seja Tesla.
Outras marcas também disponibilizam carregadores de potências variadas, normalmente na rede de concessionários. As condições de acesso são variáveis em função da marca.
Entre as redes multimarca (acesso universal), o destaque vai para a Ionity que está a apostar em carregadores ultrarrápidos. Uma rede que começou no norte e centro da Europa e ainda não chegou a Portugal – há informações que as primeiras estações Ionity poderão chegar já este ano ao nosso país.
Ainda há outras redes em desenvolvimento, algumas com propostas muito inovadoras. É o caso da ChargeSurfing, que permite aos utilizadores instalarem e partilharem carregadores, decidindo as condições de acesso (custo e tempo, por exemplo). Todo o processo é feito via app para smartphone e inclui gestão certificada da faturação. Uma rede que ainda está a dar os primeiros passos, mas que tem características muito atrativas para, por exemplo, espaços comerciais, parques de estacionamento privados e empresas.