Manuela está sentada a uma mesa, de costas para o público. É dela a voz que ouvimos. “Eu confio em ti para contares a minha história”, diz mais do que uma vez. Os atores, em pé à sua volta, repetem a frase. A sua história vai ser contada, por ela e por eles, sem grandes dramatismos, pede Manuela. Os seus pais conheceram-se na antiga URSS, voltaram para Portugal e, a dada altura, a mãe engravidou. Manuela nasceu em casa e só foi registada anos mais tarde. Lembra-se de mudar de morada com frequência. Também se lembra que não podia fazer barulho. Se a memória não lhe falha, a primeira vez que ouviu o nome da mãe foi quando os pais foram levados pela PIDE.
O palco da Culturgest estará dividido em dois pisos que, por sua vez, dividem o elenco, os acontecimentos e as linhas temporais que compõem A Colónia. Encenada por Marco Martins, a peça parte de uma investigação da jornalista Joana Pereira Bastos sobre as crianças que, no verão de 1972, frequentaram uma colónia de férias para filhos de presos políticos nas Caldas da Rainha. Eram 18, entre os três e os 14 anos, e durante dois meses aprenderam pela primeira vez a brincar em conjunto e em liberdade. “Quando encontrei o artigo no Expresso, pareceu-me que havia uma história que estava por contar. Era a história dos filhos dessa geração que são, de alguma forma, vítimas, mas também heróis”, diz Marco Martins.
O processo de criação foi longo, feito a partir de entrevistas a quem esteve na colónia – foi aqui que o encenador conheceu Manuela Canais Rocha, cuja história viria a tomar conta da peça – e de muitas pesquisas na Torre do Tombo e no arquivo da RTP. Essa documentação vai passando em imagens à medida que se desenrola o espetáculo, pontuado por música de intervenção e temas originais.
Marco Martins reuniu um vasto elenco: além de Manuela e de outros, participam Conceição Matos e Domingos Abrantes, atores profissionais (Ana Vilaça, Rodrigo Tomás, João Pedro Vaz e Sara Carinhas) e um grupo de jovens.
“Para contar a história a uma nova geração, tinha de começar atrás, tinha de ser eu a contar o que era o Estado Novo, o que eram as prisões e porque é que aquela colónia foi tão importante, isso tinha de ser um trabalho de dramaturgia”, explica. E acrescenta: “Quis sair da cassete. Isto tem uma cassete e por isso é que não entra nos ouvidos, porque é falar para quem já está evangelizado.”
Conceição Lopes, que a determinada altura toma o lugar de Manuela à mesa, foi monitora da colónia. Recordam-se vários momentos, entre eles um espetáculo de fantoches e, em especial, uma ida à praia, em que as crianças gritaram em direção à prisão no Forte de Peniche, na esperança de que algum pai os ouvisse. Daqueles tempos, ficaram fotografias, cartas, desenhos, memórias por vezes difusas. A sua história está agora em palco.
A Colónia > Culturgest > R. Arco do Cego, 50, Lisboa > 5-8, 11-14 dez, qua-sex 21h, sáb 19h, dom 17h > €16
Depois da estreia na Culturgest, o espetáculo segue em janeiro para o Porto, onde será apresentado no Teatro Nacional São João, entre os dias 23 e 26.