“Sou sonâmbula, sei disso, mas não quero acordar. Não conseguiria viver acordada!”, diz Gerda, na conversa mantida com Frederik, o seu irmão. Apesar de terem crescido com inúmeras carências (financeiras e emocionais, que deixaram marcas nos seus corpos e nas suas personalidades), os filhos de Elise, recentemente viúva, ainda hesitam em vê-la como realmente é: uma mulher autoritária, manipuladora e egoísta, que sempre geriu as economias domésticas a seu bel-prazer e levou a família à ruína.
Vendeu a imagem de mãe abnegada, que se sacrifica pelos descendentes – tal como o pelicano, ave sobre a qual existe o mito de que alimenta as crias com o seu próprio sangue –, mas a máscara acaba por cair e as mentiras são expostas. As paredes frágeis desta casa burguesa, construída por August Strindberg (1849-1912) em 1907, não aguentam o embate das revelações feitas ao longo da trama.

Foi com O Pelicano que o dramaturgo, romancista, poeta e ensaísta sueco, considerado o fundador do teatro moderno, inaugurou a sua própria sala de teatro em Estocolmo, o Teatro Íntimo. Strindberg defendeu que deveria ser “a casa da arte da sugestão, abrir perspetivas para a imaginação e fazer com que o espectador participasse do processo dramático”.
A sua obra prolífica, marcadamente autobiográfica (Strindberg teve três casamentos falhados), costuma abordar problemáticas de cariz pessoal, ao mesmo tempo que faz a biografia do seu tempo. Nesta peça, o retrato de uma família caótica e disfuncional revolve os recantos mais obscuros das relações familiares, denunciados cruamente por Strindberg.
A nova produção própria do Teatro Nacional São João, a última de 2024, conta com encenação de Nuno Cardoso, o seu diretor artístico, e com o elenco residente da casa, Joana Carvalho, Jorge Mota, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho e Pedro Frias.
O Pelicano > Teatro Nacional São João > Pç. da Batalha, Porto > T. 22 340 1910 > 21 nov-8 dez, qua-qui e sáb 19h, sex 21h, dom 16h > €7,50 a €16