Todo vestido de negro e de cabelo grisalho, Enzo Cucchi circula pela galeria da Culturgest, mãos atrás das costas; olha à volta, para as suas obras de arte ainda desarrumadas à procura do lugar certo, e exclama: “Vamos lá fazer uma bela exposição em tempos difíceis!” O italiano não elabora o que quer dizer com isso, deixa só a ideia pairar no ar. E, no fundo, é um pouco isso que as suas peças – pinturas, escultura, desenhos… – fazem também.
O curador da exposição, e programador de artes visuais da Culturgest, Bruno Marchand, usa a palavra “mitográfico” para descrever o trabalho de Cucchi. Há em quase todas as suas peças “uma sugestão de narrativa”, mas o artista não sente que tem de a concretizar, não se preocupa sequer com isso, e essa missão passa para o lado de quem vê. O que aconteceu àquela águia para estar assim invertida, de patas para o ar? Para onde vai aquele barco? O que faz aquela borboleta no focinho de uma girafa?
Autodidata no que toca às técnicas das artes visuais, Enzo Cucchi, nascido perto de Ancona, há 74 anos, começou a afirmar-se a partir do final dos anos 70. Antes, a sua produção artística passava mais pelas palavras da poesia. E é fácil olhar para as suas obras de arte como familiares dos mistérios, ritmos e silêncios dos poemas. Sempre associado à corrente artística italiana que ficaria conhecida como “transvanguarda” (nome cunhado pelo crítico e historiador de arte Achille Bonito Oliva), Cucchi voltou a uma arte muitas vezes figurativa, e com cores fortes, depois da minimal arte povera, dos anos 60.
Logo em 1986, teve direito a exposições individuais no Centre Pompidou, em Paris, e no Guggenheim, em Nova Iorque. Em Portugal (onde é representado pela Galeria Madragoa), esta é a sua primeira exposição numa grande instituição. Além das obras, todas realizadas neste século, de Mezzocane, esta mostra inclui a secção Il Libraio e L’artista, com livros e catálogos de muitas épocas dedicados ao seu trabalho (alguns deles verdadeiras obras de arte).
VISITAS GUIADAS: Com Ana Gonçalves e Maria Sassetti, 20 abr, 25 mai, 29 jun, às 17h.
Enzo Cucchi – Mezzocane > Culturgest > R. Arco do Cego 50, Lisboa > até 30 jun, ter-dom 11h-18h > €5