Num fim de tarde de agosto do ano passado, Tim Bernardes atuou, sozinho, no palco maior do Festival Paredes de Coura. Normalmente não aceita tocar em festivais, mas tinham-lhe dito que aquele era diferente, que as pessoas iam ali realmente para ouvir música. “Foi fantástico, mesmo lá ao fundo as pessoas estavam prestando atenção, cantando… Era a mesma sensação de um teatro, mas ao ar livre, num final de tarde. Nunca tinha feito um show assim, foi lindo”, diz, a partir de São Paulo, onde nasceu há 32 anos.
É, de novo, sozinho em palco que atua, por estes dias em Portugal – este sábado, 27, em Vila Real (Teatro Municipal); domingo, 28, em Leiria (Teatro José Lúcio da Silva); quarta, 31, no Coliseu do Porto e nos dias 1 e 2 de fevereiro, quinta e sexta, no Coliseu de Lisboa A base dos concertos será, ainda, o álbum Mil Coisas Invisíveis, que lançou em 2022. A conquista do público português foi rápida, saltando de uma sala pequena como a da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, onde tocou em 2018, para os coliseus em poucos anos. O que é que o paulista tem?
Cresceu rodeado de música. O seu pai, Maurício Pereira, é músico, o seu irmão mais novo também… Sentiu desde muito pequeno que a sua vida profissional ia passar pela música?
Mais a sério, só a partir dos 15 anos, por aí… Antes, já gostava, claro. Tanto que os meus pais me inscreveram numa escola de música logo aos 6 anos. Comecei a tocar desde muito pequeno, sim…
Tocava o quê?
Guitarra e bateria. Depois, aos 13, 14, comecei a fazer umas bandas… Tinha a sensação de que ia tocar pela vida fora, mas não fazia ideia se isso ia ser a minha profissão principal. Mas aos 15 anos percebi que estava completamente viciado em música, que não havia a menor hipótese de eu vir a fazer outra coisa… Senti que a música já era um guia para a minha vida, que estava mesmo ligada ao meu jeito de estar no mundo.
Antes tinha o sonho de ser outra coisa?
Que me lembre, não.
A sua mãe também está ligada à música?
Não, a minha mãe é educadora e psicóloga. A minha postura em relação à música mudou mesmo a partir dos 15. Antes era uma coisa como andar de skate, um hobby de que gostava… Estava só vivendo a minha vida de criança e adolescente.
Depois deixou de ser “o filho de Maurício Pereira” e o seu pai é que começou a ficar conhecido como “o pai de Tim Bernardes”, não?
Sim, a partir de certa altura isso foi acontecendo…
É costume dizer-se dos grandes escritores que estão sempre a escrever o mesmo livro… Faz sentido dizer que o Tim está sempre a escrever a mesma canção, à procura da canção perfeita?
Mais ou menos… É verdade que eu tenho sempre algo a expressar e uma certa musicalidade, mas cada canção abre só uma fresta para isso. Assim como, muitas vezes, tenho vontade de colocar tudo numa canção, fazer uma canção total, por outro lado, há a noção de construir uma discografia, poder ter, separadas, as várias partes do todo que quero expressar – muitas vezes, isso é um impulso que vem ainda antes do verbal, da linguagem.
Vê uma diferença muito grande entre o seu trabalho para os discos da sua banda, O Terno, e para os seus dois álbuns a solo?
Acho que são trabalhos muito próximos. O Terno é um projeto que é dirigido e arranjado por mim, por isso vejo a minha discografia de compositor com todos esses discos juntos. N’O Terno há esse lado de estar com amigos e de valorizar o modo de tocarmos juntos, e isso nota-se especialmente bem ao vivo, quando improvisamos. Mas as canções têm muitos pontos em comum. Aliás, quando componho não estou pensando se é para O Terno ou para um disco a solo.
A banda sobreviveu à sua afirmação a solo? O Terno está bem vivo?
O Terno esteve suspenso desde que parámos a tournée, por causa da pandemia. Temos esperado para reativar os motores. As nossas vidas pessoais continuaram: eu lancei um disco, o Gabriel teve um filho… Mas agora temos concertos marcados d’O Terno já em março e abril, no Brasil, em lugares bem maiores do que aqueles em que tocávamos antes… A reativação da banda está em curso. Tenho vontade, até, de tocar com O Terno em Portugal.
Ouvindo os dois discos a solo de Tim Bernardes, há uma certa melancolia, quase tristeza, que atravessa as canções, mesmo as mais solares. Será que isso o aproximou do público português e de Portugal, país que tem o fado como canção nacional?
A minha aceitação rápida em Portugal surpreendeu-me, é verdade. Tive aí, sempre, uma receção muito calorosa. Foi mesmo uma espécie de sonho, muito legal… Atravessar o oceano, chegar a um país tão longe de casa e ter tantas pessoas interessadas é mesmo especial. É dos meus sítios preferidos para tocar, talvez mesmo o favorito. Já me tinham falado da questão da tristeza. Antes de ir aí, disseram-me que os portugueses iriam gostar dessa coisa colorida pela saudade, uma leve melancolia que se mistura com a beleza duma forma meio saudosa. Pode ser… Eu não sei avaliar bem as razões. Mas sinto que há um lado emocional, sim, quase nostálgico, que se converte em beleza. Sendo de um país colonizado por Portugal, isso pode ter uma conexão com a minha própria relação com Portugal…
Sente que é bem compreendido aqui pelo seu público?
Sim, completamente. A primeira vez que fui a Portugal foi com O Terno, em 2016 ou 2017. Eu acho que tenho trisavós ou tetravós portugueses, mas como nunca tinha ido aí tive uma sensação meio maluca: era tudo uma grande novidade, mas, ao mesmo tempo, muito familiar. Sentia-me em casa num lugar estranho e novo… Já tinha ido a outros lugares na Europa, mas só o facto de todos falarmos a mesma língua torna a experiência de estar aí bem diferente. Para mim, é um universo paralelo muito curioso. Uma coisa de que gosto em Lisboa é que dá essa sensação de capital mundial, mas, ao mesmo tempo, é uma cidade pequena.

Antes de ir aí, disseram-me que os portugueses iriam gostar dessa coisa colorida pela saudade, uma leve melancolia que se mistura com a beleza duma forma meio saudosa. Pode ser…
Nas várias vindas a Portugal, teve oportunidade de conhecer melhor a música portuguesa? O que é que o entusiasma mais?
Na primeira vez que estive aí, com O Terno, aconteceu uma identificação imediata com os Capitão Fausto. Tivemos oportunidade de os conhecer e ficámos amigos. Eles tinham acabado de lançar o Capitão Fausto Têm os Dias Contados, que eu acho que tem umas letras lindas, é um disco muito especial. Ficámos muito próximos e isso também teve que ver com a questão geracional, estamos todos no mesmo universo da música indie de hoje. Também conheci, depois, o Salvador Sobral, e chegámos a cantar juntos num show dele aqui no Brasil. Já tinha ouvido a Carminho e o Zambujo, que conseguiram chegar ao público brasileiro… E, através dos Capitão Fausto, conhecemos outras bandas e músicos ligados à editora deles, a Cuca Monga: os Ganso, os Zarco, o Luís Severo… E também me apresentaram um músico de uma geração anterior, o B Fachada, que eu achei muito… especial. Sinto que tenho, ainda, muito por explorar. Quando eu viajo, para qualquer lugar, procuro sempre os discos dos anos 60/70 desse país – que é o que eu gosto de fazer também no Brasil, estou sempre descobrindo coisas que não conhecia, novos discos antigos… Aí gostei de descobrir o Quarteto 1111 e o José Cid, esse tipo de coisas.
O Tim Bernardes, mesmo musicalmente, parece que tem um pé em cada tempo: um nos anos 60/70, aos ombros dos gigantes da MPB, e outro assente na nova geração de escritores de canções dos últimos anos, que se afirmaram um pouco por todo o mundo ao longo do século XXI…
Acho que sim, assumo até essa função de ponte, a nível criativo… Habito um terreno imaginário, atemporal, onde essas duas formas se encontram.
Em Mistificar canta aquele verso “Eu acredito em Beatles, eu quero acreditar”. O seu visual é, de alguma forma, uma homenagem ao John Lennon?
Não diria homenagem, mas ele é uma influência absoluta, porque eu sou muito Beatlemaníaco… Mesmo não sendo propositado, isso é algo que me influencia de várias maneiras.
Quem é o seu Beatle preferido?
É difícil dizer… Pensando nas carreiras a solo, o John Lennon é o meu favorito. Aqueles dois primeiros discos dele têm até um lado místico. No tempo dos Beatles, talvez Paul [McCartney] seja o meu preferido. Eu nasci no mesmo dia que ele, 18 de junho, e até por isso sempre foi um Beatle com quem me identifiquei bastante.
Se tivesse de escolher um para ir jantar hoje…
Aí escolhia o John Lennon.
A pergunta mais difícil para um Beatlemaníaco: qual é a sua canção favorita dos Beatles?
Isso varia muito… Em cada hora é uma diferente. Mas, agora, escolheria She’s Leaving Home ou Here, There and Everywhere.